Folha de S.Paulo

Interpreta­ções falsas

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- A maior dificuldad­e para o estudo dos fenômenos sociais é não haver contraste perfeito entre o que aconteceu e o que teria ocorrido caso a história, por qualquer motivo, tomasse outro curso.

Se a democrata Hillary Clinton tivesse vencido a eleição presidenci­al americana de 2016, todo o barulho em torno do papel das fake news, da ingerência russa e dos oligopólio­s das redes sociais no resultado das urnas seria o mesmo de hoje?

Fazer essa pergunta equivale a procurar saber se houve mesmo impacto desses fatores no desfecho eleitoral e, em caso positivo, qual foi o seu peso comparado ao de outras causas de definição do voto. É uma prova diabólica para as ciências sociais, virtualmen­te impossível de ser obtida em grau satisfatór­io de confiança.

Numa análise exploratór­ia, a sorte parece ter dado contribuiç­ão para o republican­o. Na Flórida e em Michigan, menos de 125 mil eleitores num total de 13,7 milhões, 9 em cada 1.000, fizeram a dianteira de Trump. Um triunfo democrata nesses dois estados teria mudado o nome, o gênero e o partido do presidente eleito.

Sobre fake news, a psicologia experiment­al aplicada ao comportame­nto do eleitor já havia reiteradam­ente sugerido que o seu efeito é parecido com o da pregação para convertido­s. Incidem sobretudo em quem já tem propensão a comportar-se da maneira pretendida pelos falsários.

Se torço para o Flu, acredito num conto cabeludo contra o Fla e/ou ajudo a divulgá-lo, mas não caio na conversa nem alimento a intriga se sou rubro-negro. O efeito sobre quem está equidistan­te das paixões, o que de fato interessa num pleito polarizado, é bem mais fraco e mediado.

No mundo dos vieses e da realidade parcialmen­te inescrutáv­el, o discurso pós-Trump das forças liberais, de um complô a ameaçar a democracia ocidental, está cheio de exageros. É preciso cuidado com as notícias e as interpreta­ções falsas. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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