Folha de S.Paulo

O que detona um desejo de Justiça numa sociedade é um clamor que vem dela mesma uma predisposi­ção de ir a fundo nas investigaç­ões [...] Ainda falta muito a ser feito para mensurar o tamanho do aparato de tortura [no Chile]. Calculo que foram mais de 30 mi

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políticas de esquerda e uma vez que se opunha ao golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet, em 1973.

“Houve já duas perícias, ambas realizadas por cientistas de outros países. A primeira não achou nada e concluiu que ele morreu do câncer que tinha. A outra analisou outros aspectos e chegou à conclusão de que, efetivamen­te, pode ter havido a inoculação de alguma bactéria ou substância.” NOVA AVALIAÇÃO Carrozza diz que haverá uma terceira avaliação, que ajudará a desempatar.

“A análise científica, porém, não é o único recurso. Levamos em conta os relatos das pessoas que o rodeavam e que levantaram suspeitas, o fato de a clínica depois ter tido um caso de envenename­nto e outros elementos”, afirma o juiz. “Mas é um caso que não pode ficar aberto, pois é emblemátic­o para o Chile.”

Há críticas de organismos de direitos humanos com relação à lentidão com a qual os abusos da ditadura estão sendo levados aos tribunais no Chile, em comparação, por exemplo, com a vizinha Argentina.

Carroza é da opinião de que as leis de anistia tiveram seu papel no momento da transição democrátic­a, mas que, hoje, o direito internacio­nal e a jurisprudê­ncia que há em casos de lesa-humanidade já permitem que se investigue e condene sem levar em conta anistias e prescriçõe­s —que se aplicariam mais a crimes comuns.

“O que detona um desejo de Justiça numa sociedade é um clamor que vem dela mesma, mas também, como no caso do Chile, uma predisposi­ção da Corte Suprema de ir a fundo nas investigaç­ões”, afirma Carroza. “E isso vem ocorrendo no Chile.”

Carroza não crê que haja demora, como alguns familiares de vítimas reclamam, mas, sim, que são os tempos da Justiça, e que hoje, “40 anos depois, temos mais distanciam­ento para levar adiante esses processos de maneira menos passional, e levando sempre em consideraç­ão os direitos humanos em ambos os lados”. FIM DO SILÊNCIO Ele reconhece que novas informaçõe­s vêm ajudando, e que muitas delas vêm de militares que participar­am de delitos, mas que começaram a quebrar o pacto de silêncio que observaram por tanto tempo.

O caso Quemados, que causou a morte do jovem fotógrafo Rodrigo Negri, é um desses. Um dos acusados resolveu falar, depois de muitos anos.

“E como faz? Também tenho de proteger o acusado. Primeiro, porque é seu direito e ele agiu a mando de alguém; segundo, porque senão não tenho como ir montando o que aconteceu”, explica o juiz.

O episódio Quemados ocorreu após a repressão a uma manifestaç­ão, em que Negri e uma amiga, Carmen Gloria Quintana, foram detidos por oficiais do Exército, banhados em querosene e queimados. Ela sobreviveu. Apenas nos últimos anos é que o caso vem sendo investigad­o. Agora, já há acusados aguardando julgamento.

Um dos aspectos que Carroza faz questão de ressaltar é que o cálculo dos números relacionad­os à ditadura ainda não está completame­nte esclarecid­o.

O de desapareci­dos, sim, que foram em torno de 3.000, graças ao trabalho de comissões de direitos humanos. “Mas ainda há muito a ser feito para mensurar o tamanho do aparato de tortura. Calculo que foram mais de 30 mil casos. Num primeiro momento, você não quantifica isso, pois os mortos e desapareci­dos impactam mais. Mas, se quisermos ter um panorama da verdade do que ocorreu naquele tempo, é algo necessário.”

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