Políticos devem aprender com o discurso populista
REITORA DA ESCOLA DE GOVERNO DE OXFORD DIZ QUE FALTA SENSIBILIDADE A GOVERNOS E QUE BONANÇA OFUSCA CORRUPÇÃO
6% dos votos [5,7%]. É um desastre, o completo colapso dos partidos que faziam parte do sistema político. Centenas de milhares de pessoas decidiram que os políticos e partidos não as representavam. Isso não ocorre só no Brasil, no México ou Chile. Ocorre na Europa, na Indonésia, em qualquer lugar. Alguns pesquisadores dizem que o populismo é efeito colateral da globalização. Faz sentido?
A globalização precisa ser reequilibrada. Ao longo dos últimos 30 anos, as oportunidades além das fronteiras se expandiram muito para as corporações, mas a responsabilidade das empresas não se expandiu na mesma proporção. Há alguns exemplos. O fracasso dos governos em tributar as multinacionais onde elas estão gerando receita, como acontece com os gigantes Google, Facebook e Microsoft, criou uma real reação contra a globalização. Nós temos que trabalhar muito duro em novas formas de cooperação internacional para resolver isso. Por que a corrupção tornouse uma questão central em países tão diferentes quanto Grécia, Itália e Índia?
Não há sociedade que goste de corrupção. Até pessoas corruptas preferem viver em lugares não corruptos. É muito importante entender isso. O ser humano que vive em sociedade não é corrupto.
Segunda questão: até pessoas honestas agem de maneira corrupta se acreditam que todo mundo está envolvido em corrupção.
Terceiro: você pode mudar rapidamente uma sociedade corrupta. Em 1958, 1959, as pessoas começaram a lutar contra a corrupção em Cingapura, onde o serviço público era corrupto. Em quatro ou cinco anos eles transformaram o sistema. Você precisa de lideranças, e estas precisam de coragem para entender que ninguém quer viver num sistema corrupto, mesmo quem se beneficia dele. Mas por que esse problema aflorou agora?
A Primavera Árabe iniciada na Tunísia [revolta contra a ditadura Zine el-Abidine Ben Ali, em 2010] é um marco: quando a economia está crescendo e os salários subindo, as pessoas fecham os olhos para a corrupção. É um pacto desconfortável. Se você está recebendo habitação e educação, não olha para quem está agindo de maneira corrupta.
A Tunísia é um caso clássico. Ben Ali empregava muitas pessoas no governo. Com a crise econômica de 2008, ele não podia mais oferecer os empregos e os benefícios. Os cidadãos começaram a pensar: “Ei, esse não é o nosso acordo!”. Ele quebrou o contrato. As pessoas passaram a não aceitar mais corrupção. No Brasil, a Operação Lava Jato revelou que os partidos usavam empresas públicas para coletar propina. Como quebrar esse ciclo?
As empresas privadas precisam se juntar e apoiar umas às outras em duas coisas: 1. dizer não quando alguém do governo pede propina; e 2. quando virem corrupção, elas precisam enfrentar o governo.
Isso é difícil em qualquer lugar do mundo porque as empresas dependem das boas relações com governos. Por essa razão é que as empresas têm de se unir. Sempre que uma empresa apontar corrupção em um governo, outros presidentes de empresas precisam apoiar imediatamente. A sra. falou que acha que empresas como Facebook e Google deveriam ser tratadas como “publishers”. Por quê?
Estava pensando no caso do Facebook na eleição americana [em 2016] e também na alemã [em setembro último]. Quando veio a público que a plataforma fora usada para publicar material que era falso ou discurso de ódio, eles disseram: ‘Olha, não somos responsáveis pelo conteúdo, somos só uma plataforma”.
Não concordo com isso. Eles fazem curadoria de material por ganho comercial. E transmitem a um número muito grande de pessoas. Isso é a definição de “publisher”. Precisamos fazer com que eles assumam responsabilidade pelo que estão publicando. E como isso seria feito?
O próprio Facebook, certamente o Mark Zuckerberg, tem dito que quer ter certeza que sua tecnologia não está polarizando sociedades. Minha esperança é de que vejamos empresas de mídia social assumindo responsabilidades. Suspeito que é mais provável que façam isso se os governos também começarem a agir. O Facebook mudou o algoritmo para restringir o alcance de notícias da mídia profissional. O que acha dessa decisão?
Informação que circule livremente é vital em uma democracia, mas não permitir que ódio e violência sejam plantados constantemente também é. Por isso, mesmo nos EUA, onde o direito ao discurso livre é constitucional, há limites ao discurso de ódio.
Isso precisa ser aplicado às pessoas que estão publicando. E, na minha visão, o Facebook está publicando. Então, é muito simples. Não acho que mudar o algoritmo resolva, seja suficiente.
O jornal Washington Post tem agora um slogan que diz: ‘A democracia morre no escuro’. Esse é o papel do jornalista: manter o sol sobre a democracia. Nós precisamos de jornalistas e precisamos de reportagens de alto padrão sobre o que está acontecendo em nossas sociedades para que possamos informar aos cidadãos. ÉRICA FRAGA