Folha de S.Paulo

Privacidad­e como modelo de negócio

- RONALDO LEMOS

A SEMANA passada foi sacudida pelo imbróglio envolvendo Cambridge Analytica e Facebook. A melhor descrição dos fatos veio do meu colega Jonathan Albright, professor de Columbia. Ele é diretor de pesquisa do Centro Tow de Jornalismo Digital e um dos mais importante­s pesquisado­res sobre propaganda computacio­nal.

Albright lembra que uma das raízes do problema é o design e uso das interfaces de programaçã­o de aplicações (APIs). Esse tipo de interface é disponibil­izado por vários serviços da internet para permitir que programado­res possam desenvolve­r novas aplicações, podendo até extrair dados das plataforma­s. Esse modelo tornou-se comum não só nos serviços comerciais mas também governamen­tais, como o Data.gov, nos EUA, ou o Data.gov.uk, no Reino Unido.

Para que um API se torne atraente, sua plataforma precisa captar o máximo de dados possível. Dessa forma, há um incentivo para a centraliza­ção. da Carolina do Norte: “Se o seu modelo de negócios depende de uma máquina de vigilância pervasiva, os dados coletados acabarão sendo usados de forma equivocada. Serão vazados, roubados, capturados ou vendidos”.

Em outras palavras, o caso Facebook e Cambridge Analytica é um conto moral de dimensões mais abrangente­s do que se pode imaginar. Ele é um alerta não só para as empresas de tecnologia mas também para governos que insistem cada vez maiores e concentrad­as.

Basta lembrar o que aconteceu com o sistema de identidade­s digitais da Índia. Ao insistir na centraliza­ção dos dados de milhões de cidadãos, o sistema tornou-se tão apetitoso para hackers que no início de 2018 acabou vazando, colocando em risco dados de 1 bilhão de pessoas.

No Brasil, a recém-regulament­ada identidade digital nacional (o DNI) segue um caminho semelhante ao apostar em centraliza­ção. Crônica e não só nos “centros”. Isso em si já reduziria o incentivo para ataques. Mais do que isso, permitiria uma gestão individual­izada dos dados, como já ocorre com as carteiras de tokens no blockchain. Cada usuário controlari­a as permissões de acesso a cada um de seus dados, valorizand­o-os e dificultan­do sua agregação massiva e contínua.

Esforços como esses estão em curso. O navegador MIST, que vem atrelado a uma carteira (wallet), é um exemplo. Ou, ainda, as diversas organizaçõ­es que estão criando protocolos para identidade­s digitais autossober­anas (“self-sovereign”).

A raiz do problema é o paradoxo de que a arquitetur­a descentral­izada

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