Folha de S.Paulo

Tradução de ‘Epigramas’ recupera humor do romano Marcial

- GUILHERME GONTIJO FLORES

FOLHA

A poesia de Marco Valério Marcial (c. 38-104 d.C.), uma das figuras mais importante­s da literatura romana, vem recebendo bastante atenção. Quatro tradutores acadêmicos têm realizado um trabalho híbrido de estudo acurado e tradução poética anotada.

João Angelo Oliva Neto, Alexandre Agnolon, Robson Tadeu Cesila e Fábio Paifer Cairolli são os latinistas que desenvolve­ram a maior parte desses trabalhos nos últimos dez anos.

Apesar desses trabalhos excepciona­is, a vivacidade da poesia de Marcial demanda um duplo trabalho tradutório com abordagens complement­ares: por um lado, o estudo que explique como funcionam suas piadas, alusões literárias, construçõe­s poéticas etc.; por outro, a recriação poética mais livre desses efeitos.

Uma obra que chegou há pouco às livrarias promete ser uma reinvenção de Marcial na poesia brasileira. Trata-se de “Epigramas”, com tradução do poeta e romancista Rodrigo Garcia Lopes, numa antologia com 219 dos 1.561 epigramas que nos chegaram.

O novo trabalho, mesmo que inventivo, dá sequência ao projeto tradutório de Décio Pignatari, em “31 Poetas, 214 Poemas”.

Pignatari já havia traduzido 58 epigramas de Marcial com registro mais popular, retomada de rimas e outros jogos formais que fazem o humor e a concisão dos epigramas ganharem vida em roupagem mais próxima da poesia marginal e do poema-minuto de Oswald de Andrade.

O resultado agora são poemas luminosos, como: “Você é um velho, é o que Taís repete. / Ninguém é velho pra receber boquete.” (Livro 4, 50).

Ou: “Sempre diz, Póstumo, vou viver amanhã. / Me diga: esse amanhã, quando ele chega? / Por onde ele anda, Póstumo?, está muito longe? / Em Parta ou na Armênia ele se esconde? / O amanhã já é mais velho que Nestor e Príamo. / Quanto custa um amanhã?, me conte. / Vai viver amanhã, Póstumo? Hoje já era. / Sábio daquele que viveu-o ontem.” (Livro 5, 58)

Além da tradução, o volume tem notas e posfácio do próprio Garcia Lopes, que auxiliam o leitor interessad­o.

Há algumas imprecisõe­s técnicas, até na adaptação dos nomes romanos para o português; mas são falhas menores e perdoáveis diante da importânci­a da tradução.

Belíssima é também a edição. A capa é solta em duas partes, de modo que cada um dos 12 livros de Marcial pode ser lido como volume separado, que, ao fim, é novamente reunido ao todo e preso com duas fitas elásticas.

Assim, mesmo na antologia, o leitor pode ter a experiênci­a de dividir temporalme­nte a produção do poeta em pequenos fascículos. GUILHERME GONTIJO FLORES EDITORA QUANTO R$ 82 (220 págs.) AVALIAÇÃO ótimo

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