Folha de S.Paulo

Um pouquinho de ufanismo

- GREGORIO DUVIVIER COLUNISTAS DA SEMANA: terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo, quinta: José Simão, sexta: Renato Terra, sábado: José Simão, domingo: Ricardo Araújo Pereira

O PRÊMIO Nobel foi vencido por 369 estadunide­nses. Na Alemanha, são 107. Na Ucrânia, cinco. Dois prêmios foram pra Santa Lúcia —não a santa, mas o país. Sim, existe um país chamado Santa Lúcia, e não apenas um, mas dois santalucen­ses já levaram o Nobel. Trinidad e Tobago, Hong Kong, Chipre, todo país tem um laureado pra chamar de seu. O Brasil tem cinco Copas do Mundo, mas Nobel, nenhum.

A conclusão é fácil: somos um país de selvagens. Em vez de contar átomos, contamos embaixadin­has. Claro que não ganhamos o Nobel: em vez de sonetos fazemos passinho, em vez de raiz quadrada, o quadradinh­o de oito.

Alto lá, jovem. Peço licença aqui para um pouquinho de ufanismo. Embora nossos sucessivos governos tenham investido pesadament­e no retrocesso, nossos cientistas sempre souberam driblar os criacionis­tas que nos governam. Só pra citar os mais pop: Oswaldo Cruz, que o méson-pi, Carlos Chagas, que, além de dar nome à doença, foi o único na história a descrever o ciclo completo de uma enfermidad­e. Vital Brazil, José Leite Lopes e tantos outros e outras que nunca sequer viraram nome de rua —quanto mais algum prêmio em vida.

E ai de quem falar mal da nossa literatura. A culpa não é das estrelas, é dos escandinav­os. Não cabe aqui revolta, no entanto, mas um pouco de pena.

Duvido que os jurados tenham topado Ramos, tenham recortado e colado na cortiça um conto da Clarice Lispector, tenham copiado na agenda um poema do Drummond, tenham invejado de morte um poema do Bandeira. Nunca leram Machado, o que dirá de Jorge Amado. Nunca decoraram um poema da Cecilia Meireles, nunca leram na diagonal Euclides da Cunha, nunca correram pro jornal pra ler o Veríssimo.

Passaram uma vida sem ouvir falar em Lima Barreto, que dirá Carolina de Jesus. Não sabem o que é aprender que significa não entender Guimarães Rosa. Duvido que algum dia leiam um soneto do Glauco Mattoso, um romance da Ana Maria Gonçalves. Morrerão sem ler Rubem Braga.

Quando ganhou o Bob Dylan, escancarou-se a ignorância. Letra de música também vale? Então não conhecem Chico? Caetano? Aldir Blanc? Pobres suecos. O bom de estar à margem do mundo é que nossos tesouros são só nossos.

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