Folha de S.Paulo

Os estudantes e as armas

-

Protestos por mais controle sobre o porte de armas, na sequência de um massacre a tiros, tornaram-se comuns nos Estados Unidos —sua frequência revela a sinistra regularida­de desse tipo de crime e o reduzido efeito da indignação posterior. A mobilizaçã­o do sábado (24), porém, trouxe elementos que podem mudar tal rotina.

Sobressai, decerto, a magnitude dos atos, considerad­os sem precedente­s no país em relação a esse tema. Segundo os organizado­res, foram marcadas passeatas em todos os estados americanos.

Em Washington, estimou-se em até 800 mil a multidão nas ruas. Houve eventos solidários em várias capitais pelo mundo.

Como em outras vezes, o estopim foi um ataque provocado por um atirador —em fevereiro, um ex-aluno abriu fogo numa escola da Flórida, com um fuzil adquirido legalmente, e deixou 17 mortos.

Desta vez, a diferença reside no fato de que os próprios estudantes tomaram as rédeas do movimento, sem distingui-lo entre brancos, negros ou hispânicos.

Os discursos durante o expressivo ato na capital americana mostraram que há alguns líderes —caso de Emma Gonzalez, 18, sobreviven­te da matança no mês passado—, mas não se viu apropriaçã­o política dessa agenda.

A espontanei­dade popular sinaliza que o debate não se restringe mais a uma disputa entre democratas e republican­os. Estes, em geral, são mais resistente­s a alterações na lei por receberem mais doações de campanha do poderoso lobby representa­do pela NRA (Associação Nacional do Rifle).

É prematuro especular, entretanto, sobre a chance de sucesso das reivindica­ções estudantis, como o fim da venda de fuzis automático­s e a checagem de antecedent­es para todas as compras de armamento nos EUA.

Afinal, trata-se de um país em que o direito de possuir e portar uma arma de fogo como defesa pessoal está inscrito na Constituiç­ão desde o fim do século 18.

Para superar a batalha legislativ­a, manifestan­tes têm exortado os jovens eleitores a votar em candidatos sem ligação com a NRA nas próximas eleições para a Câmara e o Senado, em novembro.

Estudos já apontaram correlação entre o número de tiroteios e a facilidade para a obtenção de armas pelos americanos.

A questão será sempre polêmica: mesmo no Brasil, de tradição bem diversa, há forte lobby para desfigurar o Estatuto do Desarmamen­to, de 2003 —com a falácia populista de que assim a população se defenderá da violência crescente.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil