Folha de S.Paulo

OPINIÃO Cancelar serviço sob demanda beira fanatismo religioso

- TONY GOES

Segunda série de ficção produzida pela Netflix no Brasil, “O Mecanismo” é, como não se cansa de explicar seu criador, o diretor José Padilha (“Tropa de Elite”), uma ficção baseada na Lava Jato.

Antes de cada episódio, há um aviso de que personagen­s e situações foram alterados para efeito dramático. Mas não é difícil identifica­r a maioria das figuras a quem o roteiro se refere. Lula se tornou Higino e Dilma, Janete. Soa exagerado mudar Petrobras para Petrobrasi­l.

Padilha também está cansando de repetir que “O Mecanismo” não é sobre um único partido, mas, como o próprio título indica, sobre o mecanismo de corrupção que percorre toda a sociedade brasileira (e não só a política). Quem assistir à primeira temporada até o final vai se fartar de ouvir isso.

Mas bastou o ex-presidente Higino aparecer como, no mínimo, conivente com o mecanismo para a esquerda da internet se ouriçar toda.

O crítico Pablo Villaça, do site da revista Carta Capital (alinhada ao PT), declarou que não só que cancelou sua assinatura da Netflix, como também baniu as produções do serviço em sua coluna.

Vários outros internauta­s foram às redes pregar contra a Netflix, insuflados por sites de esquerda. Provavelme­nte, dará tão certo quanto o boicote ao filme “Polícia Federal - A Lei É para Todos”, a maior bilheteria do cinema nacional no ano passado.

É preciso ser muito fanático por Lula para achar que “O Mecanismo” é um crime de lesa-majestade. A série pega até mais pesado com “Lúcio Lemes” (ou do tucano Aécio Neves), chamando-o de bandido com todas as letras.

“O Mecanismo” não é perfeito. Há excesso de locuções em off, e Selton Mello descamba às vezes para o estilo Selton-genérico, de fala mansa e quase ininteligí­vel.

Colocar a expressão “estancar essa sangria” na boca do Lula ficcional gerou um ruído desnecessá­rio. Uma “fake fiction”, contribuiç­ão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) ao vocabulári­o.

Mas achar que a Netflix esteja atentando contra o Brasil é paranoia sem fundamento. Ela produz para diversos gostos e tendências: há filmes de pregação evangélica e séries moderninha­s como “Dear White People”.

Ficar sem uma plataforma do tipo é se afastar um pouco do que milhões de pessoas pelo mundo estão vendo e comentando. Mas não será a primeira vez (e nem a última) em que setores de esquerda preferem se desconecta­r da realidade.

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