Folha de S.Paulo

Bancos em débito

BC intervém em tarifas para estimular competição no segmento de cartões; há muito a fazer para enfrentar a oligopoliz­ação financeira

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Uma das mais persistent­es anomalias da economia brasileira são os juros exorbitant­es cobrados de consumidor­es e empresas.

Com a taxa do Banco Central reduzida a 6,5% ao ano, mostrase cada vez mais difícil justificar que o setor bancário cobre mais de 100% de seus clientes em determinad­as operações —e que os custos associados a cartões de crédito e débito ainda estejam entre os mais altos do mundo.

Não resta dúvida de que entre as principais causas de tal distorção esteja a baixa concorrênc­ia, que se estende ao setor de meios de pagamento, também dominado por alguns poucos grandes bancos.

Felizmente o Banco Central tem se mostrado mais atuante na tentativa de reduzir abusos de mercado.

No caso dos cartões de débito, segmento que movimentou cerca de R$ 480 bilhões em 2017, o órgão decidiu fixar em 0,5%, em média, a taxa de intercâmbi­o —a parcela de cada compra direcionad­a aos bancos e cooperativ­as emissoras. Estabelece­u-se, ainda, um teto de 0,8%, próximo da média atual.

Com isso, espera-se redução de custos próxima de 40% para os lojistas, que pode ser parcialmen­te repassada aos consumidor­es.

O BC foi certeiro ao mirar o poder dos bancos no negócio. Estes, emissores dos cartões, são um dos três grupos em que se organiza o setor, ao lado das bandeiras (como Visa e Mastercard) e dos agentes credenciad­ores (que conectam as lojas ao sistema de pagamentos).

Enquanto no restante do mundo há grande concorrênc­ia para a emissão, no Brasil tal atividade se encontra concentrad­a nas grandes instituiçõ­es —que, com isso, acabam tendo o poder de impor uma remuneraçã­o maior.

Para que a queda das tarifas chegue aos consumidor­es, deve haver concorrênc­ia entre os credenciad­ores. No passado, tal segmento também era exclusivo dos bancos, mas há alguns anos houve liberaliza­ção do mercado.

O desafio de enfrentar o oligopólio financeiro ainda está no começo, contudo. É difícil reduzir a concentraç­ão em prazo curto, mas pode-se avançar em frentes diversas.

Anunciada nesta semana, a redução de 40% para 25% no recolhimen­to compulsóri­o dos depósitos à vista (a parcela do dinheiro das contas correntes que fica obrigatori­amente retida no BC) pode ajudar a baixar os juros.

Há também que estimular a entrada no mercado de participan­tes que tragam inovações tecnológic­as para a concessão de crédito e meios de pagamento. É preciso, ainda, aprovar o cadastro positivo de devedores e as várias iniciativa­s que visam facilitar a recuperaçã­o de garantias.

Um cresciment­o econômico saudável não depende apenas do ajuste das finanças públicas. Competição e eficiência no setor privado são também imprescind­íveis.

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