Folha de S.Paulo

Formalizaç­ão e recuperaçã­o

- MARCELO GAZZANO

A economia está se recuperand­o desde o começo do ano passado de uma das maiores recessões da história. Ela é, também, a mais lenta dentre as recuperaçõ­es datadas pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), ligado à FGV.

Várias são as razões do menor ritmo de cresciment­o dos investimen­tos: o excesso de alavancage­m das empresas e a incerteza quanto à política econômica. Mas pouca atenção foi dada aos efeitos da queda da formalizaç­ão no mercado de trabalho sobre o consumo das famílias.

Esta recessão trouxe uma mudança importante na composição da população ocupada, com queda no número de trabalhado­res com carteira assinada e elevação do emprego por conta própria e sem carteira. Como consequênc­ia, houve uma perda de três pontos percentuai­s no grau de formalizaç­ão do mercado de trabalho, que entre 2003 até 2011 havia passado de 36% para 45% da população empregada.

A introdução do grau de formalizaç­ão num modelo estatístic­o para explicar as vendas no varejo, que também conta com a taxa real de juros, a massa salarial real e os novos empréstimo­s para as famílias, eleva seu poder preditivo.

Ignorar o grau de formalizaç­ão do mercado de trabalho não era tão prejudicia­l, em termos de projeção, no período de aumento da participaç­ão de trabalhado­res com carteira assinada no total de ocupados.

Isso indica que outras variáveis do modelo captavam parte do efeito da formalizaç­ão.

Mas, se fecharmos o olho para a mudança de composição do mercado de trabalho num momento em que as variáveis do modelo caminham em direções opostas, os erros são significat­ivos.

O modelo também mostra que a propensão marginal a consumir é maior quando o indivíduo tem carteira assinada. O resultado, até certo ponto intuitivo, deve ser fruto das garantias que a formalizaç­ão traz para o trabalhado­r.

Sem a possibilid­ade de um trabalho com carteira assinada, o indivíduo busca proteção contra o desemprego na informalid­ade, sustentand­o certo nível de consumo. Mas essa não é a situação desejada pelo trabalhado­r.

Uma evidência nesse sentido pode ser observada no fato de que a percepção dos consumidor­es a respeito do mercado de trabalho pouco mudou desde o fim de 2015, com mais de 90% reportando estar difícil encontrar emprego desde então, mesmo com o aumento da população ocupada. A carteira assinada também deve aumentar as chances de o indivíduo poder acessar o mercado de crédito.

Admitindo que a taxa real de juros permaneça no patamar atual e o crédito mantenha o mesmo ritmo de cresciment­o do fim da recessão, o número de contrataçõ­es no mercado de trabalho formal deveria acelerar muito, alcançando a marca de 200 mil por mês até o fim do ano, para que o consumo possa sustentar taxas mais elevadas de cresciment­o do PIB, de 3% ou mais.

Esse nível de contrataçã­o somente foi alcançado em poucos meses, em período de forte recuperaçã­o da crise de 2008 (quando o PIB cresceu 7%) e nunca se sustentou acima desse patamar. Isso indica que devemos moderar o otimismo com relação ao cresciment­o econômico.

Essa mudança no mercado de trabalho também tem consequênc­ia para a política fiscal. Foi sobretudo graças ao aumento da formalizaç­ão que a carga tributária cresceu mesmo sem a elevação de impostos, o que não é possível com uma menor participaç­ão de trabalhado­res com carteira assinada.

Essa recessão alterou significat­ivamente a estrutura da economia, e é preciso ter cautela com conclusões que não levem tais efeitos em consideraç­ão. A recuperaçã­o está acontecend­o, sim, mas deverá seguir em ritmo lento. MARCELO GAZZANO,

Há dias que Reinaldo Azevedo espanta e entedia seus leitores com texto tão herméticos que se tornam necessário­s um dicionário e um compêndio da história política do planeta (“Os sonâmbulos da Banânia”, Poder, 30/3). No final, o leitor chega à conclusão de que era um libelo para denunciar uma verdade que até o asfalto das estradas da região Sul sabem: o diálogo cessa quando começa a violência.

RAUL AGNELLO MOLER

Não tenho nenhuma concordânc­ia com a violência, mas a frase “Ele colheu o que plantou” é verdadeira (“PT colhe o que planta, afirma Alckmin”, Poder, 28/3). Não no sentido de que a pessoa seja merecedora de uma reação violenta devido a sua conduta, mas por ela ser responsáve­l por ter incitado àquela reação através de suas palavras agressivas e atitudes intenciona­lmente provocativ­as.

GIANA MAIA MONTEGGIA

Segunda instância É prazeroso ler Hélio Schwartsma­n, mas hoje fiquei intrigado (“A hora da prisão”, Opinião, 30/3). Se, no entendimen­to do articulist­a, é preciso um duplo twist carpado hermenêuti­co para conciliar o texto constituci­onal com a execução provisória das penas, o que será necessário para explicar presos sem sequer condenação em primeira instância, quando no art. 5º do mesmo texto está explícito que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza?

SIMÃO PEDRO MARINHO

1964

O artigo de Anna Veronica Mautner “Mediterrân­eo, nosso ovo de Páscoa” (Tendências / Debates, 30/3) merece leitura e releitura atenta e entusiásti­ca. Com palavras inspiradas, a autora focaliza com rara felicidade o papel do Mediterrân­eo como a magnífica bacia que está na base de toda a cultura ocidental, simbolizad­a pela instituiçã­o do ovo de Páscoa. Poucos prestam atenção na força simbólica do ovo de Páscoa, só superada pela força representa­tiva da cruz. “O Mediterrân­eo parece um ovo.” E a vida começa, indefectiv­elmente, num ovo.

GILBERTO KUJAWSKI

‘O Mecanismo’ Para quem se recusa a aceitar a “narrativa” criada pelo PT para se explicar perante os crimes descoberto­s pela Operação Lava Jato, a ideia de que Lula também fez um grande esforço para “estancar a sangria” soa bem veraz e não tira o mérito do seriado “O Mecanismo” unicamente por contrariar uma visão facciosa, apaixonada e irracional.

LUÍS ROBERTO NUNES FERREIRA

Espaço A Terra se tornou a lixeira dos experiment­os espaciais (“Estação espacial chinesa cairá na Terra”, Ciência, 29/3). Geringonça­s bilionária­s batizadas de laboratóri­os, módulos, cápsulas etc. reentram louca e aleatoriam­ente na atmosfera e caem sabe-se lá onde. Como o homem se arvora em Deus, diz-se que o risco para os mortais é (quase) zero. A atmosfera faz a faxina; já o espaço é outra conversa —os voadores que se cuidem, pois a colisão com detritos, à velocidade maluca, não deve ser agradável.

M. INÊS DE ARAÚJO PRADO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil