Formalização e recuperação
A economia está se recuperando desde o começo do ano passado de uma das maiores recessões da história. Ela é, também, a mais lenta dentre as recuperações datadas pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), ligado à FGV.
Várias são as razões do menor ritmo de crescimento dos investimentos: o excesso de alavancagem das empresas e a incerteza quanto à política econômica. Mas pouca atenção foi dada aos efeitos da queda da formalização no mercado de trabalho sobre o consumo das famílias.
Esta recessão trouxe uma mudança importante na composição da população ocupada, com queda no número de trabalhadores com carteira assinada e elevação do emprego por conta própria e sem carteira. Como consequência, houve uma perda de três pontos percentuais no grau de formalização do mercado de trabalho, que entre 2003 até 2011 havia passado de 36% para 45% da população empregada.
A introdução do grau de formalização num modelo estatístico para explicar as vendas no varejo, que também conta com a taxa real de juros, a massa salarial real e os novos empréstimos para as famílias, eleva seu poder preditivo.
Ignorar o grau de formalização do mercado de trabalho não era tão prejudicial, em termos de projeção, no período de aumento da participação de trabalhadores com carteira assinada no total de ocupados.
Isso indica que outras variáveis do modelo captavam parte do efeito da formalização.
Mas, se fecharmos o olho para a mudança de composição do mercado de trabalho num momento em que as variáveis do modelo caminham em direções opostas, os erros são significativos.
O modelo também mostra que a propensão marginal a consumir é maior quando o indivíduo tem carteira assinada. O resultado, até certo ponto intuitivo, deve ser fruto das garantias que a formalização traz para o trabalhador.
Sem a possibilidade de um trabalho com carteira assinada, o indivíduo busca proteção contra o desemprego na informalidade, sustentando certo nível de consumo. Mas essa não é a situação desejada pelo trabalhador.
Uma evidência nesse sentido pode ser observada no fato de que a percepção dos consumidores a respeito do mercado de trabalho pouco mudou desde o fim de 2015, com mais de 90% reportando estar difícil encontrar emprego desde então, mesmo com o aumento da população ocupada. A carteira assinada também deve aumentar as chances de o indivíduo poder acessar o mercado de crédito.
Admitindo que a taxa real de juros permaneça no patamar atual e o crédito mantenha o mesmo ritmo de crescimento do fim da recessão, o número de contratações no mercado de trabalho formal deveria acelerar muito, alcançando a marca de 200 mil por mês até o fim do ano, para que o consumo possa sustentar taxas mais elevadas de crescimento do PIB, de 3% ou mais.
Esse nível de contratação somente foi alcançado em poucos meses, em período de forte recuperação da crise de 2008 (quando o PIB cresceu 7%) e nunca se sustentou acima desse patamar. Isso indica que devemos moderar o otimismo com relação ao crescimento econômico.
Essa mudança no mercado de trabalho também tem consequência para a política fiscal. Foi sobretudo graças ao aumento da formalização que a carga tributária cresceu mesmo sem a elevação de impostos, o que não é possível com uma menor participação de trabalhadores com carteira assinada.
Essa recessão alterou significativamente a estrutura da economia, e é preciso ter cautela com conclusões que não levem tais efeitos em consideração. A recuperação está acontecendo, sim, mas deverá seguir em ritmo lento. MARCELO GAZZANO,
Há dias que Reinaldo Azevedo espanta e entedia seus leitores com texto tão herméticos que se tornam necessários um dicionário e um compêndio da história política do planeta (“Os sonâmbulos da Banânia”, Poder, 30/3). No final, o leitor chega à conclusão de que era um libelo para denunciar uma verdade que até o asfalto das estradas da região Sul sabem: o diálogo cessa quando começa a violência.
RAUL AGNELLO MOLER
Não tenho nenhuma concordância com a violência, mas a frase “Ele colheu o que plantou” é verdadeira (“PT colhe o que planta, afirma Alckmin”, Poder, 28/3). Não no sentido de que a pessoa seja merecedora de uma reação violenta devido a sua conduta, mas por ela ser responsável por ter incitado àquela reação através de suas palavras agressivas e atitudes intencionalmente provocativas.
GIANA MAIA MONTEGGIA
Segunda instância É prazeroso ler Hélio Schwartsman, mas hoje fiquei intrigado (“A hora da prisão”, Opinião, 30/3). Se, no entendimento do articulista, é preciso um duplo twist carpado hermenêutico para conciliar o texto constitucional com a execução provisória das penas, o que será necessário para explicar presos sem sequer condenação em primeira instância, quando no art. 5º do mesmo texto está explícito que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza?
SIMÃO PEDRO MARINHO
1964
O artigo de Anna Veronica Mautner “Mediterrâneo, nosso ovo de Páscoa” (Tendências / Debates, 30/3) merece leitura e releitura atenta e entusiástica. Com palavras inspiradas, a autora focaliza com rara felicidade o papel do Mediterrâneo como a magnífica bacia que está na base de toda a cultura ocidental, simbolizada pela instituição do ovo de Páscoa. Poucos prestam atenção na força simbólica do ovo de Páscoa, só superada pela força representativa da cruz. “O Mediterrâneo parece um ovo.” E a vida começa, indefectivelmente, num ovo.
GILBERTO KUJAWSKI
‘O Mecanismo’ Para quem se recusa a aceitar a “narrativa” criada pelo PT para se explicar perante os crimes descobertos pela Operação Lava Jato, a ideia de que Lula também fez um grande esforço para “estancar a sangria” soa bem veraz e não tira o mérito do seriado “O Mecanismo” unicamente por contrariar uma visão facciosa, apaixonada e irracional.
LUÍS ROBERTO NUNES FERREIRA
Espaço A Terra se tornou a lixeira dos experimentos espaciais (“Estação espacial chinesa cairá na Terra”, Ciência, 29/3). Geringonças bilionárias batizadas de laboratórios, módulos, cápsulas etc. reentram louca e aleatoriamente na atmosfera e caem sabe-se lá onde. Como o homem se arvora em Deus, diz-se que o risco para os mortais é (quase) zero. A atmosfera faz a faxina; já o espaço é outra conversa —os voadores que se cuidem, pois a colisão com detritos, à velocidade maluca, não deve ser agradável.
M. INÊS DE ARAÚJO PRADO