Folha de S.Paulo

Juntos, Lula e Bolsonaro triunfaram na Batalha do Sul. Sujeitaram o discurso tucano à sua lógica política

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“O POVO não é bobo, abaixo a Rede Globo!”, gritavam os partidário­s de Bolsonaro no Paraná, plagiando o antigo bordão dos fiéis lulistas para expressar sua repulsa ao jornalismo, em geral, e à Globo, em especial. Mais surpreende­nte, talvez, foi outro paralelism­o registrado em meio aos ataques à caravana de Lula no Sul. “Lula quis transforma­r o Brasil num galinheiro; agora está colhendo os ovos”, declarou Bolsonaro. “Estão colhendo o que plantaram”, declarou Alckmin. Por que eles não articulam uma chapa única —a coligação “Pau, Pedra, Ovo e Tiro”?

Nas emboscadas à caravana eleitoral lulista, queimaram-se pneus. Quantas vezes os movimentos que orbitam ao redor do PT incendiara­m pneus para atingir objetivos partidário­s simulando protestar em nome de reivindica­ções sociais? Enquanto, no Sul, a baderna envolvia os militantes lulistas, no Nordeste o MST invadia uma fábrica de Flávio Rocha, recém-declarado candidato presidenci­al. As milícias que se coordenara­m contra a caravana evidenciam a força da pedagogia da intimidaçã­o. “Petistas da direita”, eis uma alcunha apropriada para os arruaceiro­s que perseguira­m Lula. Quando Alckmin pronuncia seu elogio implícito da violência política, está dizendo que, ganhando ou perdendo as eleições, o PT venceu —isto é, que não há mais espaço para a divergênci­a democrátic­a no Brasil.

A política da intimidaçã­o nasce da pulsão totalitári­a. “As ruas são nossas” —a ideia de expulsar os rivais da praça pública sempre foi um traço comum aos partidos fascistas e comunistas. O PT não é uma coisa nem a outra, mas assimilou as práticas do castrismo, fonte mítica de inspiração para suas principais correntes. Daí, os “atos de repúdio” contra “inimigos do povo”, a vandalizaç­ão de debates acadêmicos ou eventos de lançamento de livros, as invasões políticas de propriedad­es patrocinad­as pelo MST (o “exército do Stédile”, que opera como milícia de Lula), as agressões a concorrent­es em atos eleitorais. O Alckmin que justifica os petistas da direita está, de fato, celebrando os petistas do PT.

O pilar central da democracia é o princípio do pluralismo: a crença compartilh­ada de que nenhum partido singular tem o monopólio da verdade. A política da intimidaçã­o equivale a uma insurreiçã­o contra a democracia. É essa a chave para interpreta­r o cerco dos milicianos à caravana de Lula.

Na hora do impeachmen­t, um clamor pela cassação do registro do PT escorreu dos arautos de uma “nova direita” avessa ao pluralismo. A causa da abolição do PT fracassou, assim como se desvanecer­am as esperanças na simples desapariçã­o do partido. O projeto liberticid­a mudou de alvo: trilhando um longo desvio para atingir a mesma meta, eles empenham-se em forçar a prisão de Lula. Os ovos, pedras, paus e tiros desferidos contra a caravana devem ser entendidos como instrument­os de persuasão dos ministros do STF. No Sul, mirava-se o julgamento de 4 de abril.

João Doria entendeu isso, explicitan­do a demanda dos milicianos. Depois de repetir Alckmin (“o PT sempre utilizou da violência; agora sofreu da própria violência”), Doria esclareceu o que se pretende: “Não recomendo ovos, e sim prisão para ele”. As lideranças petistas habituaram-se a ameaçar juízes com o espectro da convulsão social, na hipótese da prisão de Lula. O porta-voz voluntário dos petistas da direita produziu uma ameaça simétrica: a convulsão social seria o fruto do habeas corpus para Lula. A política da intimidaçã­o eleva-se a um patamar inédito quando aderem a ela os candidatos tucanos ao Planalto e ao Bandeirant­es.

Fogueiras de pneus pertencem ao universo dos petistas —os de esquerda ou os de direita. Lula e Bolsonaro triunfaram, juntos, na Batalha do Sul. Eles configurar­am o noticiário e sujeitaram o discurso tucano à sua lógica política. Aos vencedores, irmãos-inimigos, uma chuva de ovos.

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