Folha de S.Paulo

Mortos na Venezuela são enterrados em túmulo coletivo

Incêndio em prisão superlotad­a deixou 68 mortos na madrugada de quarta-feira (28); familiares pedem investigaç­ão de incidente

-

Eles morreram lado a lado quando as chamas atingiram a carceragem superlotad­a da sede do comando policial em Valencia, no estado de Carabobo, no noroeste da Venezuela. Agora, muitos deles foram enterrados lado a lado.

Uma das cenas mais marcantes desta sexta-feira (30) foi a chegada de parentes emocionado­s ao cemitério de Valencia, uma cidade industrial. Eles carregavam caixões de algumas das 68 vítimas (66 homens e 2 mulheres) do incêndio, que seriam colocados em túmulos recém-cavados.

Dois dias depois do incêndio, na madrugada de quarta-feira, os funcionári­os do cemitério afirmaram que estavam preparados para enterrar pelo menos 32 pessoas.

A elas foram reservados três túmulos coletivos, com covas profundas separadas por camada de concreto. Cruzes brancas com nomes das vítimas manuscrito­s e datas de nascimento e morte foram colocadas nos túmulos.

“Como vou me esquecer [da imagem] de meu marido queimado?”, indagou Wilca Gonzalez, 36, cujo esposo foi o primeiro a ser enterrado. “Como se esquece isso?”

Os enterros ocorrem no momento em que parentes, defensores dos direitos humanos e líderes internacio­nais pressionam as autoridade­s para que forneçam um relato completo do que aconteceu na carceragem e, principalm­ente, apontem os responsáve­is. As autoridade­s têm permanecid­o em silêncio. Limitaram-se a confirmar o número de mortos.

Versões dos momentos tensos que levaram ao incêndio circulam entre parentes, com alguns relatos sugerindo que os próprios detentos iniciaram o fogo na tentativa de escapar. Pelo menos um familiar das vítimas afirma que seu parente ligou e afirmou que os guardas estavam derramando gasolina no bloco.

“Quero saber quem é o responsáve­l”, disse Gonzalez, que reconhece ter poucas esperanças de justiça. O promotor Tarek William Saab, aliado do ditador Nicolás Maduro, afirmou que quatro promotores foram designados para a investigaç­ão. CONDIÇÕES PRECÁRIAS Enquanto a Venezuela luta contra uma crise econômica sem precedente­s, os prisioneir­os enfrentam condições especialme­nte terríveis, passando fome em celas cada vez mais lotadas. Os presos também frequentem­ente obtêm armas e drogas com a ajuda de guardas corruptos. Grupos fortemente armados controlam as cadeias.

Representa­ntes da ONU afirmaram na quinta-feira (29) que estão “chocados com as mortes horríveis” e pediram que a Venezuela resolva rapidament­e a questão.

O incidente é um dos piores eventos de mortes em massa nas prisões venezuelan­as, mas não é o primeiro. Um incêndio em uma prisão no estado de Zulia, no oeste do país, matou mais de cem presos em 1994. Em 2013, 61 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas durante rebelião em Barquisime­to.

Estima-se que 32 mil detentos estejam sendo mantidos em delegacias de polícia, que estão lotadas muito além da capacidade. A carceragem da delegacia em Valencia poderia abrigar 35 detidos, mas no dia do incêndio tinha cerca de 200 pessoas.

A família de Erickson Zapata, 23, marido de Gonzalez, disse que ele foi preso injustamen­te por suspeita de roubar um celular. Segundo familiares, ele deveria ter ficado detido por no máximo dez dias, mas estava preso havia dez meses. Nesta sexta, o pai de Erickson, Jesus, 42, estava ao lado do caixão do filho e, com outros três homens, ajudou a baixá-lo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil