Folha de S.Paulo

‹ Compra seguiu critérios técnicos e legais, diz polícia

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As 290 novas viaturas da Polícia Militar compradas pelo governo do Rio são de modelo que tirou nota zero em teste de segurança da Latin NCAP, associação de consumidor­es automotivo­s que promove testes com os principais carros vendidos no país.

O modelo mais recente do Ford Ka Sedan será adotado nas ruas do Rio pela polícia a partir do mês que vem.

Testes feitos no ano passado mostraram que o veículo tem “proteção pobre” para a região do peito dos ocupantes em casos de batidas laterais a pelo menos 64 km/h.

Segundo a associação, há possibilid­ade de os ocupantes do banco dianteiro terem ferimentos com risco de morte em caso de acidente.

Também foi observado que a porta traseira do veículo se abre durante uma colisão, podendo o passageiro de trás ser expelido de dentro do carro.

No caso de uma batida frontal, a proteção para o peito e as pernas do condutor foram considerad­as “marginais”. O resultado final, segundo a associação, é “extremamen­te desapontad­or”.

A nota zero num conceito que vai até cinco estrelas é um alerta para os consumidor­es do Ford Ka, terceiro modelo mais vendido no país.

Na PM, a preocupaçã­o é redobrada, já que os carros serão usados no patrulhame­nto, perseguiçõ­es a suspeitos e incursões em favelas.

O modelo a ser utilizado, no que diz respeito a itens de segurança, é igual a um que sai da fábrica para o consumidor comum. As únicas mudanças são de pintura e lanternage­m, feitas com as caracterís­ticas da viatura da PM.

A Ford venceu a licitação aberta pelo governo do Rio no início deste ano para o fornecimen­to de 580 viaturas. A empresa venceu a disputa com oferta R$ 1,4 milhão abaixo do valor original previsto no edital, de R$ 37,6 milhões. A Ford foi a única a apresentar propostas.

O Ford Ka não é o único modelo popular com mau desempenho no teste da Latin NCAP.

Carro mais vendido do país, o Chevrolet Onix recebeu três estrelas para impacto lateral neste ano, após ter zerado no teste no ano passado.

A montadora reforçou a estrutura de absorção de impacto nas portas. O Volkswagen Fox, por exemplo, obteve quatro estrelas, em teste de 2015 —último desse modelo.

A associação Latin NCAP tem entre seus integrante­s o instituto Proteste, de defesa do consumidor. Os testes são feitos na Alemanha seguindo normas de segurança para veículos de passageiro­s estabeleci­das pela ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas) desde 1995 e atualmente obrigatóri­as na Europa.

A PM do Rio poderia exigir medidas extras de segurança ao modelo, que possui airbag frontal e freios ABS. No edital de licitação, porém, a palavra segurança é usada apenas para designar a área de atuação dos veículos —no caso, a segurança pública. A segurança dos ocupantes não é uma exigência do edital.

Para o secretário geral da Latin NCAP, Alejandro Furas, o modelo não deveria ser usado para trabalho das polícias.

“O carro brasileiro, do jeito que sai hoje da fábrica, não poderia ser vendido na Europa, por exemplo”, diz Furas. “Esse carro é desaconsel­hado para ser usado pelas polícias.”

Apesar de a licitação ter sido feita em janeiro deste ano, o intervento­r federal na segurança pública do Rio, general Walter Braga Netto, tem anunciado a chegada das viaturas como um passo da sua gestão em direção ao objetivo maior, que é a tentativa de “restaurar a capacidade operativa das polícias”, por meio de investimen­tos em equipament­os e pessoal.

A frota atual da PM é de 5.350 carros. Desse total, 3.323 estão em serviço. Há 1.838 carros inutilizad­os ou em manutenção. Outras 189 viaturas estão paradas em inquérito técnico (quando são baleadas, por exemplo, passam por inquérito técnico).

A polícia prepara concorrênc­ia para manutenção de sua frota, no valor de R$ 93 milhões, ainda sem prazo.

DO RIO

A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública do Rio e o Gabinete de Intervençã­o Federal e o CML (Comando Militar do Leste), mas não obteve respostas.

A PM afirmou que o edital seguiu critérios técnicos e legais e foi realizada ampla pesquisa de mercado.

Foram recolhidas para a elaboração do edital, ainda segundo a PM, informaçõe­s de mercado, sites especializ­ados, concession­árias, bancos de preços, consulta a fornecedor­es e a tabela Fipe.

De acordo com a corporação, a compra é o “mais importante passo para ampliar sua frota de veículos”.

Já a Ford afirmou, por meio de nota, que o modelo Ka está no país desde 1997 e atende integralme­nte a todas as exigências da lei brasileira.

Segundo a empresa, o modelo conta com outros equipament­os de segurança de série que vão além das exigências locais, “como distribuiç­ão eletrônica de freios (EBD), ISOFIX (para ancoragem de bebê conforto), encosto de cabeça e cinto de segurança de três pontos no banco traseiro central e lembrete de uso do cinto de segurança para o banco do motorista”. BLINDAGEM A Folha apurou que alguns comandante­s de batalhão tentam que o intervento­r Walter Braga Netto autorize a colocação de blindagem em parte dos veículos que serão entregues em abril.

A ideia seria usar método de blindagem chamado de escudo, com a instalação de vidros blindados nos para-brisas traseiro e dianteiro, além de chapas nas portas laterais, teto e traseira do veículo.

As únicas viaturas de transporte de policiais no Rio que possuem alguma blindagem são as da Polícia Rodoviária Federal.

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Danilo Verpa - 21.fev.18/Folhapress Veículos da Polícia Militar do Rio de Janeiro parados em batalhão da cidade devido ao péssimo estado de conservaçã­o

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