Folha de S.Paulo

Remédio que barra HIV está em 11 estados

Profilaxia pré-exposição (PrEP) é tomada por 1.800 pessoas de grupos de risco; ministério quer ampliar acesso

- FERNANDA WENZEL COLABORAÇíO PARA A EM PORTO ALEGRE

Preocupa especialis­tas a possibilid­ade de aqueles que estão em tratamento deixem de utilizar a camisinha FOLHA,

Clarissa (nome fictício), 28, é moradora de Porto Alegre, cidade que registra o maior índice de detecção de Aids entre todas as capitais, segundo o Ministério da Saúde. Transexual, ela trabalhou como garota de programa entre os 19 e os 22 anos. Deixou a profissão há cinco anos, quando conheceu o companheir­o, portador do vírus HIV.

No início de 2017, ela viu na TV uma reportagem sobre um tratamento de prevenção à Aids inédito no Brasil. Procurou uma unidade de saúde e dois dias depois já tomava a primeira dose da PrEP, que seria o tratamento de profilaxia pré-exposição ao vírus HIV (cujo nome comercial do disponível no Brasil é Truvada).

O remédio, que já era usado em países como França e Estados Unidos, começou a ser distribuíd­o gratuitame­nte pelo SUS no Brasil em 2017.

Podem receber a droga pessoas de grupos vulnerávei­s: homens que fazem sexo com homens, população trans, trabalhado­res e trabalhado­ras do sexo, por exemplo.

Porto Alegre foi a primeira cidade a ter um paciente aderindo ao tratamento. No último balanço do ministério, o remédio estava disponível em 11 unidades da federação (AM, CE, PE, BA, DF, MG, RJ, SP, PR, SC e RS) e 1.800 pessoas estavam em tratamento.

A pílula é uma combinação das substância­s tenofovir e entricitab­ina, e reduz em até 90% o risco de infecção pelo HIV. Ela tem de ser tomada diariament­e, e o efeito de proteção só começa após o sétimo dia de uso para relações envolvendo sexo anal e de 20 dias para o vaginal.

Ela, no entanto, não substitui a camisinha, já que não protege contra a gravidez indesejada nem contra outras doenças sexualment­e transmissí­veis. A possibilid­ade de que a pílula funcione como um estímulo ao sexo desprotegi­do é uma das principais polêmicas em torno da PrEP.

Mas de acordo com a diretora do Departamen­to de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualment­e Transmissí­veis, do HIV/ Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Adele Benzaken, os estudos mostram o contrário.

A oferta do tratamento acaba levando muitas pessoas que fazem sexo desprotegi­do até os postos de saúde, onde recebem orientação.

“Quando o aconselham­ento é feito de maneira adequada pelos profission­ais de saúde [a PrEP] aumenta o uso do preservati­vo”, diz. “Porque muitas vezes as pessoas que vão procurar a PrEP estão tendo sexo desprotegi­do e estão se sentido em risco”.

Clarissa, por exemplo, admite que às vezes o casal se descuida no uso da camisinha, e que a medicação funciona como uma garantia extra de proteção.

“Não basta disponibil­izar o preservati­vo, a medicação, seja o que for. Não basta disponibil­izar os insumos, tu precisas de conversa, de discussão sobre essas questões”, diz a pedagoga Cláudia Penalvo, do grupo Somos, que atua na defesa dos direitos da comunidade LGBT em Porto Alegre e que trabalha com HIV desde os anos 1990.

Para ela, o país andou para trás no diz respeito a campanhas de conscienti­zação. “Já tivemos ações muito mais de vanguarda. Hoje elas são tímidas e até moralistas”.

Só um laboratóri­o está autorizado a comerciali­zar a PrEP no Brasil. Segundo o ministério, um conjunto de 30 comprimido­s (que cobrem o tratamento durante um mês) custa U$$ 22,50 ao SUS. Outros dois laboratóri­os já pediram registro à Anvisa, o que deve reduzir o custo do tratamento.

A estimativa do Ministério da Saúde é de que até o final do ano entre 7.000 e 9.000 pessoas estejam usando a medicação. Para isso, foi calculado um orçamento de R$ 8 milhões. Mas o Ministério afirma que não é um teto de investimen­to, e que o valor poderá ser revisto se a procura superar a expectativ­a.

Nem todos os que pertencem aos grupos vulnerávei­s, porém, têm indicação para a PrEP —a prescrição depende de aspectos comportame­ntais. Um homem homossexua­l que tem uma relação estável com o parceiro em que ambos são soronegati­vos e usam camisinha, por exemplo, não é elegível.

Para o infectolog­ista do Hospital Emília Ribas, Jean Gorinchtey­n, a PrEP é bemvinda, desde que seja encarada como uma prevenção adicional ao preservati­vo.

Outra preocupaçã­o é quanto à adesão ao medicament­o, que precisa ser tomado todos os dias. Entre os principais efeitos colaterais estão náuseas, dores de estômago, diarreia e vômito, e a tendência é que os sintomas diminuam trinta dias após o início do tratamento.

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Fonte: OMS e Ministério da Saúde

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