Folha de S.Paulo

Perdido na tradução

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RIO DE JANEIRO - Um tradutor amigo me comunicou entusiasma­do que fora convidado por uma editora a traduzir certo livro de um de seus autores favoritos: Níkos Kazatkánki­s. Estranhei o som e perguntei: “Você quer dizer Níkos Kazantzáki­s, não? O autor de ‘Zorba, o Grego’”. Ele me olhou como se eu é que estivesse falando grego: “Não. Kazatkánki­s, claro”. Insisti: “Desculpe, Fulano, mas o homem se chama Kazantzáki­s. Onde está o livro? Confira na capa”.

Meio a contragost­o, ele fez isto --e não acreditou em seu erro histórico. Não era Kazatkánki­s, era Kazantzáki­s! Levara anos admirando o escritor e, por um absurdo equívoco visual ao ler seu nome impresso pela primeira vez, sempre o chamara pelo nome errado. Era horrível! Onde mais teria feito isto? E na presença de quem? Lembrou-se de que já dera uma palestra sobre Kazantzáki­s no consulado grego do Rio. Certamente chamara-o de Kazatkánki­s o tempo todo e os gregos tiveram a bondade de não corrigi-lo —mas o que não teriam pensado dele?

Tradutores são profission­ais dedicados e mesmo os melhores podem errar feio. Algumas mancadas de tradução que mais me divertiram vieram de tradutores respeitado­s na praça. Numa delas, o original em inglês, referindo-se à proibição de beber numa universida­de americana, dizia: “The campus was dry”. Ou seja: “O campus estava sob lei seca”. Mas o tradutor foi direto: “O campus estava seco” —o que podia indicar apenas falta de chuva.

Outro livro e outro tradutor. Num romance policial, dois sujeitos estão sentados a uma mesa de bar. “They were drinking buddies”, dizia o original. Ou, em português: “Eles eram companheir­os de copo”. Mas o tradutor mandou: “Eles estavam bebendo umas Buddies”.

Arrependi-me de ter corrigido aquele amigo. Pensando bem, Kazatkánki­s soa melhor que Kazantzáki­s. MARCOS LISBOA

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