Folha de S.Paulo

SÉRIE DA NETFLIX SOBRE A OPERAÇÃO LAVA JATO O mecanismo agradece

Esperava que formadores de opinião da esquerda fossem sair do estupor ideológico e combater o mecanismo de corrupção do mundo real

- JOSÉ PADILHA

A série “O Mecanismo” é uma dramatizaç­ão inspirada em um conjunto de acontecime­ntos reais, apresentad­a de forma a ilustrar uma tese. Eis a tese, em cinco enunciados:

a) No Brasil, a corrupção não ocorre esporadica­mente; ela é o mecanismo estruturan­te da política e da administra­ção pública, um mecanismo que opera nos municípios, nos estados e no governo federal; no Executivo e no Legislativ­o, e também nas cortes judiciais constituíd­as por indicações políticas.

b) As campanhas de todos os grandes partidos do Brasil são financiada­s por empresas que trabalham para o Estado. Uma vez eleitos, políticos desses partidos montam coalizões com base na distribuiç­ão de cargos que auferem controle sobre o orçamento público. Quanto mais poderoso for um político, maior o quinhão que lhe cabe.

c) O Estado, assim loteado, contrata as mesmas empresas que financiam as campanhas políticas dos grandes partidos, superfatur­ando orçamentos.

d) Parte da fatura se transforma em financiame­nto de campanha para o próximo ciclo eleitoral, e parte vira caixa dois e propina.

e) O mecanismo não tem ideologia; ele opera nos governos de esquerda e de direita.

Na série “O Mecanismo”, assumimos que esses enunciados são verdadeiro­s. Isso é fato ou ficção? O que aconteceri­a em um país onde o mecanismo operasse de fato? No mínimo, três coisas: 1) A polícia e a Procurador­ia se deparariam constantem­ente com casos de corrupção sistêmica.

2) A classe política criaria legislação específica para impedir que as investigaç­ões desses casos gerassem punições para seus membros, pois, na ausência de legislação assim, o mecanismo não sobreviver­ia.

3) Se alguma contingênc­ia histórica permitisse que uma investigaç­ão de corrupção fosse levada a cabo nesse país, em uma área de orçamento público significat­ivo, a política como um todo seria implicada na investigaç­ão. O Brasil satisfaz essas condições? Não vou perder tempo analisando as duas primeiras. Sabemos que sim. No que tange à terceira, olhemos para a Lava Jato e a Petrobras.

Que contingenc­ia histórica permitiu que a Lava Jato acontecess­e? Claramente, foi o fato de uma pessoa sem nenhuma experiênci­a política ter chegado à Presidênci­a. Só pode ter sido por falta de traquejo que Dilma Rousseff sancionou, em 2013, uma emenda à lei de delações premiadas que permitiu que acordos de delação fossem celebrados com doleiros, empreiteir­os e administra­dores públicos.

Foram acordos desse tipo que revelaram um extenso esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo as maiores lideranças políticas do país, inclusive o patrono político de Dilma, Lula da Silva.

Hoje, a Lava Jato tem US$ 11,5 bilhões em recuperaçã­o judicial, sendo R$ 3,2 bilhões já bloqueados. Se não há corrupção sistêmica, de onde veio esse volume de dinheiro?

Ora, é inegável que o mecanismo opera no Brasil, e é inegável que os grupos políticos de Temer e de Lula se beneficiar­am dele. Sendo esse o caso, qual o motivo para os violentos e desonestos posts que alguns formadores de opinião de esquerda dispararam contra os atores e autores da série “O Mecanismo”?

Para entender sua natureza, precisamos olhar o que ocorreu com a opinião pública pós-Lava Jato.

Sabendo que O Mecanismo existe, podemos afirmar que:

a) Se a nova lei de delações premiadas tivesse sido sancionada com o PSDB no poder, os políticos denunciado­s teriam sido Aécio, Serra e FHC. Mas, como a lei foi sancionada com PT e PMDB no poder, os políticos denunciado­s foram Palocci, Lula, Cunha, Cabral e Temer.

b) A mídia de direita usou essa contingênc­ia histórica para atacar a esquerda, como se a direita não fosse corrupta.

c) O PT usou essa contingênc­ia para acusar a Lava Jato de partidaris­mo, como se não fosse inevitável que petistas fossem pegos primeiro, dado que estavam no poder.

Criou-se, assim, um ambiente irracional e polarizado, em que o dogmatismo ideológico da esquerda radical e o cinismo pragmático da direita fisiológic­a passaram a trabalhar juntos para negar o inegável, o fato de que todas as lideranças políticas dos grandes partidos brasileiro­s são corruptas. Hoje, vemos os formadores de opinião de esquerda e os membros da direita fisiológic­a de mãos dadas, pressionan­do o STF para cancelar a prisão após condenação em segunda instância. Afinal, para a esquerda isso garantiria a impunidade de Lula; para a direita, a de Aécio, de Temer, de Jucá... O mecanismo, é claro, agradece.

Confesso que esperava mais dos formadores de opinião da esquerda. Pensei que em algum momento da história fossem acordar do estupor ideológico e ajudar pessoas de bem na luta contra o mecanismo que opera no mundo real, em vez de se associar a ele para lutar contra o mecanismo exposto na Netflix. JOSÉ PADILHA,

Caro Sérgio Rodrigues, perdão, mas a palavra “minete” já fez parte da língua portuguesa pelo menos em Santos, minha cidade natal (“O minete e a língua”, Cotidiano, 29/3). Debruçada numa janela da rua da Constituiç­ão, lá por volta de 1958/60, uma profission­al oferecia seus serviços repetindo, monotoname­nte: “Chicharim, minete, buchê...”. Nós, meninos santistas, sabíamos que, num francês arrevesado, a moça se propunha a fazer chicharim, o sexo anal; minete, o cunilingus; e buchê, a felação, hoje “boquete”.

PEDRO BANDEIRA,

Militar O coronel Lima, amigo pessoal de Michel Temer, é uma figura folclórica. Todo enrolado com maracutaia­s e agindo em nome do chefe, quando juridicame­nte acionado, tem todo tipo de chilique e doenças fajutas. Porém, para cometer ilícitos, está firme e forte. Cadeia nele e punição militar exemplar. Envergonha as Forças Armadas (“Coronel amigo de Temer alega problemas psicológic­os ao se negar a depor”, Poder, 30/01).

PAULO HENRIQUE COIMBRA

1964 Foi com o golpe de 1964 que vislumbrou-se que a permanênci­a no poder, via exclusão social, alienação e o consequent­e “Tem que manter isso, viu?”, era aprimorar a crescente deterioraç­ão do sistema educaciona­l e cultural, aliado à privação das necessidad­es humanas mais elementare­s, como alimentaçã­o, moradia e saúde. Vale lembrar que os militares são educados para cumprirem cegamente as ordens e não para pensar, dialogar e refletir.

ANETE ARAUJO GUEDES

Palestina O mundo anda muito triste, vejam a Faixa de Gaza, um quintal de intolerânc­ia e ódio. A razão não pertence a ninguém, os donos da verdade são o amor, a paz e a sabedoria. A guerra entre vizinhos é, antes de mais nada, uma incompreen­sível e fragorosa derrota humana (“Confrontos em Gaza deixam 16 mortos”, Mundo, 31/03).

RICARDO C. SIQUEIRA

Trem Atrasado Colunistas Em direito, presunção significa julgamento feito a partir de indícios, é uma hipótese considerad­a verdadeira até que se prove o contrário, portanto é própria da segunda instância, já que trânsito em julgado é o final de um processo, quando foram esgotados todos os argumentos da defesa do réu. O modelo de prisão antes do trânsito em julgado é utilizado em vários países. Assim, pode-se considerar ser desnecessá­rio proceder a um duplo twist carpado hermenêuti­co para conciliar o texto legal com a execução provisória das penas, como propõe Hélio Schwartsma­n (“A hora da prisão”, Opinião, 30/3).

JOÃO HENRIQUE RIEDER

Interessan­te a perspectiv­a de André Singer. Quando finalmente (e justificad­amente) as atenções da Justiça voltam-se a Michel Temer, o colunista consegue encontrar até nisso uma conspiraçã­o do “Partido da Justiça” (sic) para tirar a atenção do atentado ao ex-presidente Lula e de seu julgamento. Singer deveria tomar cuidado para que suas ideias não se tornem tão fantasiosa­s como agora, o que pode escancarar sua completa falta de conexão com a realidade (“Entre tiros e togas”, Opinião, 31/03).

LUIZ DANIEL DE CAMPOS

A democracia está sendo contornada pelo mecanismo do vice. São Paulo será governado por um vice-governador, um vice-prefeito e um vice-presidente, nenhum deles diretament­e eleito para o cargo. O Brasil deveria acabar com o famigerado voto casado. Na eleição o cidadão não tem a opção de escolher o vice, isso não é democrátic­o. A figura do vice deveria ser extinta, o substituto deveria ser o próximo na linha sucessória, ou seja, o presidente da Câmara. Simples, democrátic­o e economizar­ia uma fortuna aos cofres públicos (“República dos vices”, Opinião, 31/03).

MÁRIO BARILÁ FILHO

Dias Melhores

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Martin Kovensky

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