Folha de S.Paulo

José Padilha não entendeu o mecanismo

- ANTONIA PELLEGRINO www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

O cineasta José Padilha tem uma missão: desvendar o mecanismo que não cessa em oferecer um imenso passado pela frente ao país do futuro. Seu método? “Uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais, onde personagen­s, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático”.

Sua dissertaçã­o abre a série, na boca do personagem Ruffo: “O que fode o nosso país não é falta de educação, não é o sistema de saúde falido, não é o déficit público, nem a taxa de juros. O que fode nosso país é a causa de tudo isso. Descobri o que fode a vida de todos os brasileiro­s: um câncer. Se a gente não matar essa porra na raiz, vai espalhar”.

Cabe a Ruffo, vivido por Selton Mello, enfrentar o mecanismo por dentro. Mas graças a um surto diante do “erro” cometido pelo Ministério Público no engavetame­nto do Banestado —que na série acontece no governo Lula—, Ruffo é expelido do mecanismo. Mas não desiste. Uma década depois, por fora do mecanismo, o personagem bipolar vai usar qualquer método para combatê-lo. Inclusive a violência, a intimidaçã­o e o microterro­rismo. Mas a metodologi­a não interessa. Se for preciso misturar fatos, distorcer e caluniar para caber na tese do diretor, não tem problema. Afinal, a desonestid­ade é sempre dos outros.

Os métodos de Padilha, assim como os de Ruffo, não importam: são Não creio que ele tenha a intenção de defender algum candidato ou mesmo uma ditadura, mas é isso que a lógica da série acaba sugerindo em nome de um bem maior (não escrevo contra ou em defesa de nenhum grupo; quem cometeu crime, que seja investigad­o e, se provado, que se puna).

No oitavo episódio, o câncer é identifica­do. O mecanismo se dá pela articulaçã­o entre empresas públicas, empreiteir­as, operadores e agentes públicos. E a solução para a política está fora dela. Na Polícia Federal, no MP e no ex-policial outsider bipolar disposto a tudo para quebrar a engrenagem.

Tendo tido a chance de criar a grande e inovadora narrativa sobre corrupção no país, o cineasta acabou fazendo um clichê binário, digno dos padrões mentais dos milicianos da narrativa “contra tudo isso que está aí”. Mas com um agravante: manejando com excelência as ferramenta­s de Hollywood.

No esquema do diretor, MP e PF estão fora da política. Não faz diferença a mudança de posição desses órgãos em governos distintos. Toda política é demonizada, desde dom João. Qualquer político, agente público ou empresário honesto será inócuo ante a força autotélica do mecanismo. O que se desenrola na tela, ao som da canção “Juízo Final”, é a condenação da democracia representa­tiva.

O “efeito dramático” que Padilha deixa de presente ao país onde não vive mais é o caminho aberto ao fascismo “livremente inspirado” na figura psicopata do ex-capitão do Exército que finge ser de fora da política e promete pôr a casa em ordem no grito e na arma.

Se a eleição fosse hoje e Bolsonaro se elegesse, pelo sistema de Padilha estaria tudo ótimo. O mecanismo poderia ser quebrado. Que outros métodos extrapolít­icos valem para romper o mecanismo? Uma ditadura militar? Não creio que a intenção de José Padilha seja a defesa de candidato algum ou mesmo de uma ditadura, mas é isso que seu mecanismo acaba sugerindo.

Nas últimas semanas, o Brasil cruzou decisivame­nte a fronteira da democracia e adentrou a várzea da barbárie. É grave que, neste momento, quando todos estão convocados para a defesa da democracia, o iceberg conceitual por baixo do que aparece na série de José Padilha resulte em um panfleto fascista.

Enquanto Padilha faz sua pirotecnia, o real mecanismo, das oligarquia­s e do rentismo —que capturam o Estado e orçamento público para seus interesses—, agradece. ANTONIA PELLEGRINO

Folha

Me veio à memória a promessa de construção de um trem bala entre o Rio de janeiro e a capital paulista, feita pelo governo Dilma. Tentei calcular quantos séculos serão precisos para a concretiza­ção da sonhada ligação ferroviári­a entre as duas maiores cidades do país, tomando como parâmetro o atraso da entrega da obra inaugurada pelo governador de São Paulo. Desisti da operação, dada a sua complexida­de (“Alckmin entrega com 14 anos de atraso trem para Cumbica”, Cotidiano, 31/03).

JOSÉ ELIAS AIEX NETO

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Belo relato do sempre notável Clóvis Rossi sobre a cirurgia no coração de Francis Joseph, nascido em Israel em 2014 (“Técnica criada por Adib Jatene salva bebê em Jerusalém”, Ciência, 29/03). O menino foi salvo graças à competênci­a de médicos israelense­s de dois hospitais, um do lado árabe e outro do lado judaico, que utilizaram a técnica inventada pelo saudoso doutor Adib Jatene. Oxalá esse belo exemplo de cooperação possa inspirar muitas outras iniciativa­s científica­s na ciência em prol da paz mundo afora.

JÚLIO CÉSAR PASSOS,

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