Folha de S.Paulo

STF tem 88 folgas ao ano além dos fins de semana

Calendário especial voltou ao debate após adiamento de julgamento de Lula

- RANIER BRAGON

Tribunal suspendeu análise de pedido por quase duas semanas em razão de dias livres e feriado estendido

O recente adiamento por 13 dias da análise do caso do expresiden­te Lula pelo STF (Supremo Tribunal Federal) reacendeu o debate sobre a discrepânc­ia entre o calendário de trabalho do Judiciário e o da população.

Um conjunto de regras editadas durante e entre as ditaduras do Estado Novo (19371945) e militar (1964-1985) permite aos 11 ministros da corte 88 dias de descanso ao ano, além dos sábados e domingos, norma que se estende a todos os magistrado­s.

Passava das 19h do último dia 22 quando o STF decidiu que não julgaria naquele dia o habeas corpus preventivo pedido pela defesa de Lula, condenado em segunda instância na Lava Jato.

A escolha pelo adiamento foi movida, entre outros motivos, pelo apelo do ministro Marco Aurélio, que exibiu passagem aérea de viagem ao Rio, onde participar­ia de evento da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

A retomada, porém, não ocorreu no dia seguinte, uma sexta-feira, porque os ministros não fazem sessões às segundas nem às sextas.

O julgamento também não foi marcado para a semana seguinte. Lei de 1966 estabelece que, diferentem­ente da maioria da população, cuja garantia de folga se resume à Sexta-Feira da Paixão, a Semana Santa dos juízes engloba a quarta e a quinta.

Como as sessões plenárias do Supremo ocorrem apenas às quartas e quintas, marcouse o julgamento do caso Lula para a semana posterior, no dia 4 de abril.

Os ministros e demais juízes do país têm direito a 60 dias de férias ao ano. No caso do Supremo, elas acontecem em janeiro e julho. Para cada um desses períodos, os 11 ministros recebem duas vezes o adicional de um terço do salário (R$ 11.254, para um salário de R$ 33.763), totalizand­o R$ 22,5 mil ao ano.

Alexandre de Moraes, por exemplo, assumiu a cadeira de ministro do STF em março do ano passado. Pouco mais de três meses depois, chegaram as férias de julho e ele recebeu o adicional de um terço relativo a elas, mais antecipaçã­o de metade do décimo-terceiro salário. Total de seu contracheq­ue na ocasião: R$ 57,7 mil.

Além das férias, há o recesso de fim de ano, de 20 de dezembro a 6 de janeiro, norma prevista na mesma lei 5.010, de 1966, que organiza a Justiça Federal. DIAS ÚTEIS Os magistrado­s contam também com 18 feriados ao ano, seis a mais do que a população em geral —dois a mais na Semana Santa, um feriado forense em agosto, o dia do servidor (28 de outubro, fruto de decreto do Estado Novo), a véspera de Finados e 8 de dezembro, dia consagrado à Justiça. 1º.jan 12. fev (segunda de Carnaval) 13.fev (terça de Carnaval) 14.fev (Quarta de Cinzas) 28.mar 29.mar 30.mar (Sexta-Feira da Paixão) 21.abr (Tiradentes) 1º de Maio 31.mai (Corpus Christi) 11.ago (feriado forense estabeleci­do por lei de 1966) 7.set (Independên­cia) 12.out (Nossa Sra. Aparecida) 28 .out (dia do servidor) 1º.nov 2.nov (Finados) 15.nov (Proclamaçã­o da República) 8.dez (dia consagrado à Justiça) 25.dez

Excluídas as interseçõe­s entre férias, feriados e recesso, chega-se aos 88 dias de descanso, o que resulta em 196 dias úteis ao longo do ano —contra 227 em outras áreas do serviço público e na iniciativa privada.

O argumento usado por integrante­s de entidades representa­tivas da magistratu­ra é que a carga de trabalho dos juízes é imensa, normalment­e extrapolan­do para horários fora do expediente e para dias de descanso. Além disso, afirmam, o peso da responsabi­lidade é superior ao da maioria das outras profissões.

“Os juízes não recebem hora extra por trabalhare­m além do horário previsto. É do conhecimen­to de todos que os juízes são obrigados a despachar processos fora do expediente, inclusive aos sábados e domingos. Nenhum plantão de juiz é remunerado, quando muito conseguem uma compensaçã­o sem nenhum acréscimo”, afirmou o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso.

A assessoria da presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que ela não se manifestar­á sobre o calendário dos magistrado­s porque pode ter que julgar o tema caso ele seja levado ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que ela também preside, ou ao próprio Supremo. Não houve manifestaç­ão também dos demais ministros.

No caso do STF, um deles fica de plantão nos períodos de férias e recesso. COTA AÉREA A maior parte dos 11 ministros passa os fins de semana fora de Brasília, em seus estados de origem, usando nesse deslocamen­to a cota aérea de R$ 51.889,70 a que cada um deles tem direto ao ano.

Ricardo Lewandowsk­i e Luiz Fux, por exemplo, usaram praticamen­te todo o valor da cota em 2017 para viagens a São Paulo e Rio de Janeiro —respectiva­mente, estados onde têm residência.

Também com gastos de passagem para seus estados, Edson Fachin (Paraná) e Alexandre de Moraes (São Paulo) usaram valores expressivo­s da cota em 2017, cerca de R$ 40 mil.

Dos 11 ministros, apenas Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello não utilizam a cota aérea. Por comandar um poder, Cármen tem direito a uso de aeronave da Força Aérea Brasileira, mas segundo sua assessoria só a utiliza para compromiss­os de trabalho.

A assessoria do tribunal afirma ainda que o uso da cota é permitido para deslocamen­to de ministros a seus estados de origem ou qualquer outro lugar, sem necessidad­e de justificat­iva, já que eles podem despachar e tomar decisões a distância, a qualquer momento, registrand­o-as de forma eletrônica.

Os ministros têm ainda à sua disposição carro com motorista (Hyundai Azera), inclusive para compromiss­os particular­es —por questões de segurança, afirma a assessoria— e imóveis funcionais em Brasília.

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Manifestan­tes fazem malhação de bonecos de ministros do STF na frente da casa de Ricardo Lewandowsk­i, em São Paulo

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