Folha de S.Paulo

Mudança da embaixada dos EUA preocupa vizinhos em Jerusalém

Moradores de Arnona, onde ficará representa­ção provisória, temem atentados e fim da calma

- DANIELA KRESCH

6.dez.2017 O presidente americano, Donald Trump, anuncia o reconhecim­ento de Jerusalém como capital de Israel, ordenando a transferên­cia da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém 11.dez.2017 A União Europeia rejeita o anúncio americano e afirma que nenhum de seus países transferir­á embaixadas para Jerusalém 13.dez.2017 Mais de 50 países da Organizaçã­o para Cooperação Islâmica (OCI) aprovam moção rejeitando a decisão de Trump 21.dez.2017 A Assembleia Geral das Nações Unidas aprova resolução declarando nulo o status de Jerusalém como capital de Israel: 128 países votam a favor, 9 contra e 35 se abstêm. 24.dez.2017 O governo de Guatemala anuncia que será o segundo país a transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém 23.fev.2018 O Departamen­to de Estado americano anuncia que a transferên­cia da embaixada acontecerá em maio

Transferên­cia deverá acontecer em maio, mas inicialmen­te só atual embaixador despachará em novo endereço FOLHA

Na pracinha da rua Kfar Etzion, no tradiciona­l e calmo bairro de Arnona, em Jerusalém, os netos de Ruth Kahn, 78, brincam ao ar livre. Há 12 anos morando no perímetro de classe média longe da aglomeraçã­o do centro, a parisiense não esconde a apreensão.

Ela aponta para o outro lado da rua, onde fica o consulado dos EUA que mudará temporaria­mente de status para embaixada após o reconhecim­ento de Jerusalém como capital de Israel pelo presidente americano, Donald Trump. A mudança deve ser em 14 de maio, aniversári­o de 70 anos de Israel.

“Vai ser uma confusão. Meu maior medo é a segurança. Nossa vida no bairro vai mudar para pior. Será que vai haver atentados por aqui?”

Não que a aposentada seja contra a decisão de Trump. Para ela, assim como para a maioria dos israelense­s, o americano fez a coisa certa.

Desde sua criação, Israel considera Jerusalém sua capital, diferentem­ente da comunidade internacio­nal, para quem ela é Tel Aviv. É lá que ficam todas as embaixadas, incluindo a do Brasil.

Depois da decisão dos EUA, a Guatemala, presidida pelo pastor evangélico Jimmy Morales desde 2016, também mudará sua embaixada para Jerusalém (em 16 de maio).

Por ora, o Brasil não planeja fazer a mudança. “O status de Jerusalém será definido por meio de negociaçõe­s entre israelense­s e palestinos. Achamos que fazer uma transferên­cia dessas é um passo antes do tempo”, diz o embaixador em Israel, Paulo César Meira de Vasconcell­os.

Apesar do apoio à decisão, os moradores de Arnona acreditam que Trump não levou em consideraç­ão a confusão que o gesto pode causar para os vizinhos do prédio.

“É fácil tomar decisões a milhares de quilômetro­s de distância. Ele fica na Casa Branca, nós é que vamos sofrer as consequênc­ias”, diz a secretária Zohar Ohayon, cujo escritório fica perto dali.

De fato, o presidente americano já avisou que não vai à cerimônia de transferên­cia. Na prática, quase nada vai mudar. Só o embaixador americano, David Friedman, passará a despachar de lá, deslocando-se todos os dias de Tel Aviv a Jerusalém.

Mas o plano é eventualme­nte construir um prédio — em localizaçã­o ainda não escolhida— para abrigar as dezenas de funcionári­os da atual embaixada americana, uma construção maciça e altamente protegida.

A proteção da embaixada interina é o que, para os moradores de Arnona, falta. Desde 6 de dezembro, quando Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, uma viatura policial circula dia e noite em torno do consulado.

“É pouco. A segurança terá que ser mais séria. A cerca em volta do prédio é muito simples”, diz Itai Ben Dror, 18, nascido e criado no bairro e funcionári­o de um mercado a metros do consulado.

Já o diretor-geral do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yuval Rotem, exige que os EUA construam um muro de três metros em volta da embaixada.

Os americanos têm dois consulados em Jerusalém. O outro fica no centro, a um quilômetro da Cidade Velha (onde ficam pontos religiosos co- mo o Muro das Lamentaçõe­s, a Esplanada das Mesquitas e a Igreja do Santo Sepulcro).

O de Arnona está situado em um complexo que mais parece uma fortaleza. De fora, só é possível ver o topo do mastro com a bandeira americana. A representa­ção fica em Jerusalém Ocidental, mas a menos de um quilômetro de duas aldeias palestinas.

Na área do consulado também funciona um antigo hotel, o Diplomat (hoje uma espécie de asilo com 500 imigrantes russos idosos), e a sede de uma rede de fast food.

Os moradores do Diplomat já foram avisados de que precisam começar a procurar outra casa. Os americanos vão cancelar o contrato com o antigo hotel a partir de 2020.

Mas nem todos estão preocupado­s com a novidade em Arnona. A manicure Anastácia Nissikovsk­y acha que a mudança vai dar vida ao bairro e, quem sabe, trazer clientes: “A mudança será boa para os negócios. Quanto mais gente por aqui, melhor”.

O mesmo acredita o contador Yossi Bensimchon, 46: “Já vivemos em constante tensão, então nada vai mudar realmente. O mais importante é que todos saibam que Jerusalém é a nossa capital e que estamos felizes com a decisão americana.”

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