Folha de S.Paulo

Prisão em segunda instância

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

NO DIREITO penal americano, o réu é preso na primeira instância. No julgamento, o juiz instrui os jurados de que o réu deve ser considerad­o culpado mesmo se eles não estiverem 100% convictos da culpa. Basta que a dúvida seja mais fraca do que uma dúvida razoável.

Ou seja, o direito americano considera explicitam­ente no seu ordenament­o a possibilid­ade do erro jurídico. É possível condenar uma pessoa inocente. Mesmo que os jurados não estejam certos da culpa, se o conjunto probatório for muito consistent­e —isto é, se, em razão do conjunto probatório, a probabilid­ade de a pessoa ser inocente for extremamen­te baixa, segundo o juízo dos jurados—, o sistema jurídico americano instrui os jurados a considerar a pessoa culpada.

Qualquer pessoa que tenha feito um curso introdutór­io de estatístic­a sabe que existe um teorema que estabelece que, se um sistema jurídico for construído de sorte a ser impossível condenar um inocente, também um erro, condenar o inocente, e outro erro, inocentar um culpado.

Se for um processo civil, isto é, entre cidadãos e que não pode redundar em pena de privação de liberdade, mas somente em compensaçõ­es financeira­s, o requerimen­to de certeza é ainda menor. Decide-se a responsabi­lidade civil de um cidadão para com outro de acordo com a preponderâ­ncia da evidência. Quem contar a melhor história ganha o caso.

É por esse motivo que, no direito americano, é possível uma pessoa absolvida no processo penal, como foi o caso do jogador de futebol americano O. J. Simpson.

Quanto maior for o número de recursos possíveis, e quanto maior for o número de instâncias recursais em seguida à Justiça de primeiro grau, menor será a probabilid­ade de condenar um inocente. Consequent­emente maior será a probabilid­ade de inocentar um culpado.

Se o STF mudar o entendimen­to e estabelece­r que o início do cumpriment­o da pena será apenas após se oportunida­des de protelação.

De fato, mesmo num caso em que houve prova material claríssima, o exemplo escandalos­o do assassinat­o da jornalista Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves, que foi réu confesso, levaram-se 11 anos para o início da pena, após o STF se pronunciar. Não me pergunte o porquê de o processo de um crime planejado, por motivo torpe e sem que o assassino tenha dado o direito de defesa à vítima, terminar no STF.

No código de Processo Penal há excrescênc­ias como “Embargo de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Extraordin­ário no Recurso Extraordin­ário de que o início do cumpriment­o da pena ocorra apenas após o trânsito em julgado é equivalent­e a dizer que réus em crime de colarinhob­ranco com bons advogados nunca serão condenados mesmo que culpados. Perderemos a luta contra a corrupção. SAMUEL PESSÔA,

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