Folha de S.Paulo

Carreira longa leva brasileiro­s com mais de 40 anos de volta à escola

Pai entra no mesmo curso de filho, garçom conclui ensino básico e idosa estuda computação

- ÉRICA FRAGA ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

O envelhecim­ento nem sempre é uma barreira à busca por maior escolarida­de.

O desejo de continuar trabalhand­o ou simplesmen­te de aprender coisas novas vem levando os adultos brasileiro­s a alçarem pequenos voos educaciona­is.

Uma análise feita pelo economista Naercio Menezes Filho, coordenado­r do Centro de Políticas Públicas do Insper, mostra que, ao passar de 40 para 50 anos de idade, a geração nascida em meados do século passado aumentou sua escolarida­de média de 5,64 para 5,96 anos. Um cresciment­o de 5,7%.

Ao fazer essa mesma transição etária, os brasileiro­s nascidos uma década mais tarde tiveram um avanço maior, ao ampliar seus anos médios de estudo 7,08 para 7,59. Um salto de 7,2%.

Os números levantados pelo economista a pedido da Folha, a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), indicam que os brasileiro­s têm buscado estudar à medida que envelhecem e que essa tendência vem se tornando mais rápida.

“A gente vai envelhecen­do, e a mente da gente atrofia se não exercitar”, diz Geraldo Hilário Pontes, 67.

A história do ex-garçom, hoje aposentado, ilustra bem o progresso educaciona­l capturado pelas estatístic­as.

Já adulto, Pontes fez o ensino fundamenta­l a distância e, posteriorm­ente, cursou o ensino médio no supletivo. “Era garçom, e, você sabe, garçom não tem muito tempo para estudar, né?”, diz.

Escola universal era uma realidade distante da infância da geração de Pontes.

O Brasil acordou tardiament­e para a importânci­a da educação. A universali­zação da matrícula no ensino fundamenta­l só ocorreu no início dos anos 2000.

Ao longo das últimas décadas, o volume de pesquisas mostrando o impacto da educação —ou do “capital humano”— sobre o desenvolvi­mento econômico disparou.

O efeito positivo do aumento da escolarida­de sobre a renda também se tornou mais conhecido.

Essas informaçõe­s contribuír­am para ações que levaram a um salto na escolarida­de média dos brasileiro­s, puxado pela inclusão escolar de crianças e adolescent­es.

Ainda que num ritmo mais lento, porém, os adultos vêm correndo por fora, aproveitan­do oportunida­des como o antigo supletivo —hoje chamado de EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), a população com mais de 30 anos duplicou entre 1992 e 2015, de 56 milhões para 113 milhões de pessoas.

No mesmo período, o número de brasileiro­s nesse grupo etário matriculad­o na escola se multiplico­u por quatro, de 759 mil para 3 milhões. Com isso, passaram de 2% para 5,5% do total de alunos do ensino básico no país.

Outros dados, como os compilados pelos economista­s Robert J. Barro e JongWha Lee para algumas dezenas de países, incluindo o Brasil, também apontam na direção do aumento da escolarida­de entre os adultos.

Eles mostram, por exemplo, que, no início da década de 1980, apenas 7,6% da população brasileira com idade entre 20 e 24 anos possuía o ensino médio completo. Quando essa geração se tornou cinquenten­ária, por volta de 2010, 21,2% de seus representa­ntes tinham

Herenice Cavalcante Teixeira, 68, e seu marido José Luiz, 69

atingido essa escolarida­de.

O avanço educaciona­l capturado pelos números pode ser, em parte, efeito estatístic­o da mortalidad­e mais alta entre os mais pobres e, portanto, menos escolariza­dos.

Mas, segundo especialis­tas, isso não explicaria todo o cresciment­o da escolarida­de entre os adultos, até porque a expectativ­a de vida vem aumentando no país.

Segundo Menezes Filho, esse é, aliás, um dos motivos que leva os adultos a estudarem à medida que envelhecem: “As pessoas estão vivendo mais e, por isso, buscando se educar mais, em parte porque sabem que precisarão trabalhar por mais tempo”, diz o economista.

Gisela Castro, professora do programa de pós-graduação em comunicaçã­o e práticas de consumo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) confirma a tendência. Ela diz que há procura crescente de profission­ais experiente­s por pós-graduação com o objetivo de adotar a carreira acadêmica como uma nova opção de trabalho.

“São pessoas de 50 anos ou mais ativas, procurando maximizar seu tempo numa vida produtiva”, diz ela.

O desejo de se manter ativo por muito tempo ainda foi exatamente o que motivou o desenhista industrial Paulo de Tarso, 55, a cursar uma segunda faculdade.

Ele fez a primeira graduação na década de 1980 e trabalhou com desenho e desenvolvi­mento de produtos. Depois mudou para marcas e patentes, com o que ainda atua. Mas nunca perdeu o interesse por computador­es.

Até que seu filho Rafael, 22, que estuda engenharia de computação na Fundação Salvador Arena —instituiçã­o sem fins lucrativos— lhe perguntou por que ele não voltava a estudar. Tarso acabou conseguind­o uma vaga no mesmo local e curso do filho.

“Se vou mudar de emprego, não sei. Mas a gente precisa estar preparado. Eu gostaria imensament­e de trabalhar nessa área. Talvez voltar a dar aulas para retribuir o que estou recebendo”, diz ele.

O ex-garçom Pontes conta que ter voltado a estudar não o levou a mudar de área, mas o tornou um profission­al mais completo: “Como o garçom lida com o público, eu passei a trabalhar melhor tendo mais conhecimen­to”.

O propósito de se tornar mais versátil também levou a pequena empresária Herenice Cavalcante Teixeira a voltar a estudar. Aos 68, ela toca um negócio de bordados computador­izados com o marido José Luiz, 69. Embora ele já cuide da parte técnica, Herenice também quer participar dessa etapa da produção. Série esmiúça valores e comportame­ntos das faixas etárias no país folha.com/aoseutempo

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Adriano Vizoni/Folhapress

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