Folha de S.Paulo

Vens terão outros programas, no futuro.”

- JAIRO MARQUES

DE SÃO PAULO

Uma dívida histórica do governo brasileiro com famílias de pessoas com autismo começa a ser quitada a partir deste mês com a implantaçã­o de um programa internacio­nal, chancelado pela Organizaçã­o Mundial da Saúde. O objetivo é capacitar famílias com crianças do espectro do autismo, que envolve diversos graus de comprometi­mentos.

Um convênio com a Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo), apoiado pela Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e que irá treinar até mil pessoas inicialmen­te será assinado pelo Ministério da Saúde nesta semana, quando se celebra, na terça-feira (2), o Dia Internacio­nal de Conscienti­zação do Autismo.

Pais e cuidadores receberão dicas de ferramenta­s que otimizem a vida de crianças com autismo, de 2 a 9 anos, em dez estados brasileiro­s, em todas as regiões.

Apenas a China teve programa de maior impacto até hoje, mas o Brasil sai atrás de Argentina, Uruguai e Chile na adoção desse método.

O investimen­to é de R$ 2,5 milhões a serem aplicados durante dois anos na logística dos treinament­os.

Os disseminad­ores do método, desenvolvi­do por uma instituiçã­o dos EUA, a Autism Speaks, e validado pela OMS, irão trabalhar aspectos de sociabilid­ade, comunicaçã­o, controle de agressivid­ade e outros pontos de comportame­nto que desafiam os pais no trato com seus filhos.

Segundo o próprio Ministério da Saúde, esse é o maior programa de saúde pública já desenvolvi­do no país para esse grupo social.

“Não será necessário que a criança tenha diagnóstic­o fechado para que a família tenha direito ao treinament­o.

O objetivo é que os cuidadores consigam ter instrument­os dentro de casa para lidar com atrasos de comunicaçã­o, de sociabilid­ade etc”, diz a psicóloga Cristiane Silvestre de Paula, coordenado­ra nacional do programa.

Ainda segundo a coordenado­ra, que pesquisa questões relativas ao autismo há 12 anos, a faixa etária de 2 a 9 anos foi escolhida por ser uma “janela de oportunida­de” de aprendizad­o.

De acordo com Cristiane: “O treinament­o não propõe milagres nem vai substituir as terapias tradiciona­is. Mas dentro do quadro de cada indivíduo, espera-se uma evolução, uma melhora geral”, afirma a coordenado­ra.

“A estratégia, no momento, é para as crianças. Os jo- PIRÂMIDE Até o final deste ano, de acordo com o Ministério da Saúde, será realizada a capacitaçã­o dos primeiros disseminad­ores da técnica e a adaptação e validação do material didático estrangeir­o para a realidade brasileira.

Em um primeiro momento, dois especialis­tas irão treinar grupos pequenos de médicos, psicólogos, terapeutas ocupaciona­is entre outros que, por sua vez, repassarão o conhecimen­to para grupos maiores, que deverão contar com agentes de saúde do SUS e outros profission­ais.

O cresciment­o do número de pessoas habilitada­s segue o formato de pirâmide.

Só a partir daí, o treinament­o se voltará para as famílias, que terão nove oficinas em conjunto com outros pais e três sessões exclusivas, em casa, para poder individual­izar as questões do filho.

“No período de treinament­o nas casas, todos os membros da família vão poder participar. A intenção é que mais de uma pessoa do núcleo familiar seja habilitada para não haver sobrecarga para as mães, o que normalment­e acontece”, diz Cristiane.

O Paraná é o estado piloto da iniciativa no país. Lá, a ONG Ico Project investiu sozinha R$ 300 mil para o início da implantaçã­o do programa internacio­nal.

Em três anos, agora com o apoio federal, espera-se que todos os pais de crianças com autismo desse estado estejam capacitado­s.

Ainda não há prazo para o treinament­o de todas as famílias de crianças com autismo no Brasil, o que vai depender de contrapart­idas municipais e da realidade de cada localidade.

Estima-se que 2 milhões de pessoas sejam do espectro no Brasil e elas são amparadas pelos mesmos direitos das demais pessoas com deficiênci­a no país.

“Vamos formar mil multiplica­dores no primeiro momento. Todo o processo é frequentem­ente avaliado e validado pela OMS. Temos uma dívida histórica com o autismo no Brasil e estamos começando a enfrentar a questão”, declara Quirino Cordeiro, coordenado­r de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

Para a artesã Josiele Freitas, 34, mãe de João Victor, 11, que recebeu diagnóstic­o de autismo leve aos três anos e meio, a orientação básica para que os pais saibam lidar com os filhos no dia a dia é fundamenta­l para dar qualidade de vida à família.

“Nós recebemos orientaçõe­s de uma instituiçã­o, mas, mesmo assim, às vezes, ainda ficamos perdidos em algumas situações e pedidos socorro em grupos de redes sociais para pais com mais experiênci­a”, declara.

Segundo a mãe, “A maioria dos pais hoje fica perdida, sem saber como lidar com o próprio filho em situações básicas dentro de casa. E, pior, não sabem o que fazer fora de casa também, quando a criança entra em crise, as pessoas começam a olhar e gerase um clima horrível. Se houvesse um direcionam­ento, de como agir, com simulações, com certeza tudo seria muito melhor e as crianças estariam melhores”.

Os treinament­os serão gratuitos, e não apenas famílias de crianças com autismo poderão fazê-los, mas também àquelas com filhos com atraso no neurodesen­volvimento.

A técnica implica uso de figuras com modelos e ideias de como agir diante das mais diversas situações com a criança. O treinament­o envolve também aplicação de planos terapêutic­os, revisão, avaliação e troca de experiênci­as entre os membros do grupo.

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