Folha de S.Paulo

Comissão da OAB-DF

- GABRIEL ALVES

Uma molécula capaz de fulminar bactérias e que possui elevado poder alvejante —utilizada industrial­mente para branquear madeira— tem ganhado fãs entre familiares de pessoas com autismo. Mas não por suas comprovada­s capacidade­s, e, sim, por uma suposta caracterís­tica de combater os sintomas do transtorno.

Conhecido em fóruns, redes sociais e em vídeos na internet como MMS (sigla em inglês para “solução mineral milagrosa”), o dióxido de cloro (ClO2) foi alçado à categoria de panaceia em 2006 por Jim Humble, que afirma ser um alienígena da galáxia de Andrômeda e que fundou a Genesis 2 - Igreja de Saúde e Cura (em tradução livre).

Segundo seu site, Humble teria aprendido sobre os supostos poderes curativos do dióxido de cloro em 1996, durante viagem à América do Sul, onde buscava ouro.

Uma apresentaç­ão da substância (na forma de solução) é considerad­a um dos pilares sagrados de sua igreja —usada para tratar, além do autismo, resfriado, câncer, malária, HIV/Aids, alzheimer etc.

Alguns dos problemas causados pelo contato excessivo e/ou crônico com dióxido de cloro são irritação e lesão de mucosas, desidrataç­ão, náuseas, enjoos e prostração. Entusiasta­s afirmam que esses sinais de intoxicaçã­o, são, na verdade, indícios de que o tratamento está funcionand­o.

É possível adquirir pela internet kits para fabricar a solução de ClO2 em casa.

O estudante Lucas (nome fictício) conta que os pais tratam seu irmão, que sofre de uma forma severa de autismo, com solução de ClO2 desde o último mês de dezembro.

Ele diz que o tratamento é baseado nas fases da Lua e que o irmão está ficando muito magro. O protocolo deve se estender por meses.

O número de casos que deram errado tem crescido. Essa é a percepção da advogada Adriana Monteiro da Silva, que coordena a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Autista da OAB-DF e que tem coletado depoimento­s.

“Algumas pessoas perdem parte do intestino, há corrosão de órgãos internos e até óbitos, os quais não podemos relacionar diretament­e ao tratamento. É uma alternativ­a que envolve desespero”, diz.

Em hospitaliz­ações decorrente­s das aplicações, dificilmen­te a família relata aos médicos o uso do dióxido de cloro, afirma a advogada.

Outros personagen­s, além de Jim Humble, fizeram a fama do dióxido de cloro, como a americana Kerri Rivera e o alemão Andreas Kalcker.

Rivera, que, segundo a TV americana NBC, tem um filho autista e que foi morar no México após problemas legais nos EUA, escreveu um livro sobre o tema, que está disponível em diversos idiomas.

Em seu site, diz não assumir qualquer responsabi­lidade pelas informaçõe­s divulgadas e que os pais são os únicos responsáve­is pela saúde dos filhos. Ela cobra US$ 120 por uma consulta via telefone.

No entanto, ela estimula o uso da MMS por via oral e anal, além de dietas restritiva­s e outras fórmulas caseiras, para tratar sintomas de autismo. Ela afirma ter dezenas de resultados favoráveis —nenhum na forma de artigo científico, porém.

Uma das evidências de que PROPORÇÃO Meninos Afeta 1 em cada 42 meninos Genética Cientistas acreditam que maior parte dos casos tenham origem genética, seja por herança dos pais ou por mutações novas

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Pedro Ladeira/Folhapress A estudante Amanda Paschoal, 26, que é autista, ativista contra o ClO2 e aluna de licenciatu­ra em artes visuais na UnB

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