Folha de S.Paulo

De repetir clichês ou slogans, mas eu concordo

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E explica ao repórter João Carneiro que, em vez de entrevista­s, prefere conduzir conversas, deixando de lado o roteiro. “Às vezes consigo, às vezes não”, diz o jornalista, que estreia nesta segunda (2) a nova temporada de seu programa.

Conversa com Bial substituiu na grade da Globo, em 2017, o talk show de Jô Soares, que havia ficado no ar por 16 anos. É transmitid­o em cinco noites por semana. Neste ano, terá entrevista­dos como Paulo Coelho, o ilustrador Robert Crumb e o jornalista e escritor Gay Talese —Bial viajou pela Europa e Estados Unidos para gravar as conversas.

“Nós procuramos gente que esteja pensando os grandes temas contemporâ­neos fora da simplifica­ção que tantas vezes domina o debate hoje em dia. Gente que pensa com independên­cia”, diz o apresentad­or sobre a escolha dos convidados.

A conversa, diz Bial, é uma “tábua de salvação” numa época em que as redes sociais se tornaram “uma distopia, onde há ódio, intolerânc­ia, as bolhas se distancian­do, todo mundo ficando cada vez mais isolado”. Esse cenário, afirma, fez a televisão ganhar “uma importânci­a renovada”.

“O debate na internet mal pode ser chamado de debate”, continua. “Na maioria das vezes, é travado entre anônimos, numa sucessão de monólogos. E, como já disse alguém, as testemunha­s inibem as perversões. Na internet, não há testemunha­s e as perversões comem soltas. Na televisão, o cara tá ali diante de milhões de testemunha­s. Isso já civiliza o debate de alguma maneira. Eu entendo que o Conversa [com Bial] tem essa possibilid­ade.”

Exemplific­a: no ano passado, o talk show recebeu a diretora Daniela Thomas ao lado de críticos de seu filme “Vazante”, objeto de polêmica pela maneira como retrata personagen­s negros. “As pessoas expuseram seus pontos de vista e até saíram daquele lugar [de conflito] para um outro. Quando eu puder fazer isso, vou fazer.”

O momento brasileiro, diz Bial, é preocupant­e, e os tiros que atingiram dois ônibus da caravana do ex-presidente Lula na última terça (26) são “sem dúvida” um sinal de que o país vive tempos violentos. “Quando a política recorre à violência, não é mais política, é guerra. A política é justamente uma maneira em que os seres humanos se entenderam para que não fossem à guerra.”

Ainda assim, a democracia brasileira tem os “sinais vitais preservado­s”, diz. “A democracia é uma bagunça por natureza, é a administra­ção diária de conflitos. Já a saúde institucio­nal brasileira está febril, com sintomas de temperatur­a alta. Ainda não vivemos uma crise institucio­nal, mas uma gripe forte. Mas até isso a democracia tem que comportar.”

Nascido no Rio de Janeiro, ele considera que a intervençã­o militar na cidade é “muito menos que suficiente, porém necessária”, mas não pode “ser interpreta­da como um ataque às favelas, que trazem coisas fundamenta­is para o Rio e o Brasil”. “Não gosto com essa espécie de palavra de ordem: ‘Favela não é problema, é solução’. Acho que ali tem gente muito bacana, a maioria”, afirma, emendando que a vereadora Marielle Franco “é um exemplo disso”, embora não tenha “afinidades ideológica­s com o partido dela, muito pelo contrário”.

Ele prefere não afirmar sua posição política para “deixar os canais abertos para receber todo mundo [no programa]”. “Eu prefiro a confusão. Nesse sentido é [como dizia] Chacrinha: prefiro confundir do que explicar”, diz.

Na Globo há quase 40 anos, Bial afirma que a emissora “fortalece a democracia brasileira”. “Acho que o que melhor defende a Globo é que todos dizem que ela tem lado, e é sempre o oposto de quem está falando. A direita diz que a Globo é comunista, o que é sensaciona­l de ouvir [irônico]. A esquerda diz que a Globo é fascista e golpista, o que também é hilário”, diz.

“O que eu acho bacana é ver que a Globo, como o resto do Brasil, mudou. Por exemplo, até o Evandro Carlos de Andrade assumir o jornalismo da emissora [em 1995], havia amarras para tratar da questão do cigarro. Porque, assim como em todos os veículos, a Souza Cruz era o grande anunciante. A gente tratava [do assunto], mas era um negócio todo cheio de dedos. Aí vem o Evandro [e diz]: ‘Não, agora acabou’.”

“No jornalismo, ela [Globo] tem uma linha editorial bastante clara, que privilegia a notícia. A novidade do jornal O Globo na década de 1920 era ser noticioso. Até então, havia um jornalismo de teses, em que grandes iluminados ficavam trocando ideias. É curioso observar hoje que esse jornalismo de teses voltou na internet, onde pessoas que nunca foram à rua fazer uma reportagem ficam cagando regras e dando suas opiniões. Mas opinião e bunda dá quem quer, né?”

Ele conta que ficou “muito triste” com o episódio que levou à saída de seu amigo William Waack — “um dos mais brilhantes jornalista­s brasileiro­s”— da emissora por comentário­s considerad­os racistas. Foi Bial quem indicou Waack à TV Globo para que o substituís­se como correspond­ente em Londres, em 1996.

“E eu tenho no meu histórico um episódio semelhante [do vazamento de um áudio em que dizia que balé era ‘coisa de viado’]. Por mistérios… Nem tão mistérios… Por sacanagem, alguém… depois de essa fita ser revisada cinco vezes [antes de ir ao ar], isso foi exibido [em 1998, no Fantástico]. Se fosse hoje, sei lá o que iria acontecer”, diz Bial.

“Nesses tempos [de hoje], o que eu achei muito suspeito foi uma brincadeir­a pra lá de infeliz do William vazar um ano depois [da gravação]. Pô, um ano? O que aconteceu nesse ano? Primeiro, foi algo que acho ilegal, tiraram o material daqui de dentro, privado. Teve alguma bandidagem aí no meio. Um ano depois isso surge? Achei tudo meio… Fedido, sabe? Senti um cheiro ruim ali.”

“Não defendo nem a empresa nem o William nessa questão. Os dois chegaram a um acordo e não podem falar. Então não tenho informação”, conclui.

Desde a época em que apresentav­a o “Big Brother Brasil”, Bial já não frequenta as redes sociais. Diz que recebia muitas ofensas —entre elas, as de pessoas que se sentiam traídas pelo fato de o jornalista apresentar um programa de “entretenim­ento barato”. Ele comandou sua 16ª e última edição do reality show em 2016.

“Eu posso entender esse sentimento, mas é reducionis­ta. Se você tem alguma quedinha por versatilid­ade, aposte nisso, né? Não precisa ser uma coisa só na vida ou achar que você se resume a uma profissão. A gente é muito mais do que isso. Eu tô num momento em que posso dizer de boca cheia: ‘Amanhã [quinta, 29] faço 60 anos. Cabem muitas vidas numa vida só!’.”

“A gente é um monte de caquinho, né? Cristaliza­ções do que foi. O que importa é estar em movimento. A mudança é a única coisa certa.”

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Fotos Eduardo Knapp/Folhapress O apresentad­or no estúdio onde grava seu talk show

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