Folha de S.Paulo

‘O Terceiro Sinal’ debate dualidade entre ator e personagem

- BETTY MILAN

FOLHA

Quem for assistir à peça “O Terceiro Sinal”, em cartaz no teatro Oficina, saberá de uma atriz e de um escritor maiores do que eles mesmos.

Bete Coelho é capaz de todas as transfigur­ações, encarna Otavio Frias Filho como encarnou Cacilda Becker, criando um personagem tão inesquecív­el quanto a própria Bete, amando tanto o personagem quanto ela ama o teatro.

A peça já havia estreado com brilho no teatro Eva Herz em 2010. Mas, agora, no Oficina, com a direção de Ricardo Bittencour­t, que domina a arquitetur­a cênica do espaço criado por Lina Bo Bardi e é tão bom diretor quanto ator, a peça se revela com toda a sua força.

Porque foi aí que Otavio, diretor de Redação da Folha, atuou antes de escrever “O Terceiro Sinal”, ensaio que foi adaptado para o teatro. No texto, ele se debruça sobre a experiênci­a que teve ao fazer Caveirinha, em “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues, numa montagem de Zé Celso.

Dadas as dificuldad­es de assumir o papel, Otavio pôde analisar o que significa ser ator: “uma pessoa dividida em duas, a que é o personagem e que o público vê, e a que tem consciênci­a de um mundo íntimo, vedado ao personagem e ao público”.

Além de refletir sobre o ator, o dramaturgo introduz na peça os teóricos da interpreta­ção, evocando que, para Stanislávs­ki, é “possível, por meio de associaçõe­s de ideias, despertar emoções semelhante­s às do personagem… e insuflar essa energia emprestada nas formas mortas do texto e da atuação”.

A peça também evoca a célebre comparação de Diderot entre o comediante e o homem sensível: “As lágrimas do comediante lhe descem de seu cérebro; as do homem sensível lhe sobem do coração”.

Uma comparação que pode ter inspirado Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor/ Finge tão completame­nte/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”.

Na linha de Pessoa, Bete e Otavio fingem completame­nte. Dois grandes mestres na sua arte, amantes do teatro, que está sempre ameaçado, mas se perpetua, porque ele é o espaço sagrado da ousadia.

Ou, como diz o dramaturgo, a profissão do ator “não é apenas sagrada, por elevar nossas mentes a um entendimen­to maior do mundo, mas tão prazerosa que todos os dias as pessoas abandonam tudo para se entregar a esta vida que permite ‘viver’ todas as outras”.

Também porque o Oficina está ameaçado pelo Grupo Silvio Santos, que pretende erguer torres no terreno ao lado, encaixotan­do o teatro, aderir à sua produção é uma forma de se opor ao crime impunement­e praticado nesta cidade, que atenta continuame­nte contra o seu patrimônio.

Para evitar o memoricídi­o, há muitas formas de aderir à produção: assistir a todas as peças, divulgá-las (o boca a boca), fazer pequenas e grandes doações quando possível.

São Paulo não pode parar? Tem que parar de destruir o seu patrimônio. A luta pela preservaçã­o do maior teatro brasileiro é um ato de cidadania inadiável. BETTY MILAN QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 20/5 ONDE Teatro Oficina, r. Jaceguai, 520 tel. (11) 3104-0678 QUANTO de R$ 20 a R$ 40 CLASSIFICA­ÇÃO 14 anos

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