Folha de S.Paulo

Força muscular atinge vigor máximo antes dos 30 anos. Daí em diante é o declínio natural, lamento informar

- COLUNISTA DA SEMANA segunda: Luiz Felipe Pondé, terça: João Pereira Coutinho, quarta: Marcelo Coelho, quinta: Contardo Calligaris, sexta: Vladimir Safatle, sábado: Mario Sergio Conti

A FORÇA muscular atinge o vigor máximo antes dos 30 anos. Daí em diante é o declínio natural, lamento informar.

Acontece dessa forma porque o corpo humano não foi selecionad­o para viver mais do que 20 ou 30 anos. No decorrer dos 6 milhões de anos de evolução, foram raros os que passaram dessa idade.

No império romano ou na China do século 19, a expectativ­a de vida ao nascer era ao redor de 30 anos. Nos países europeus mais desenvolvi­dos do início do século passado chegou aos 40. Ainda a pouco, quem sobrevivia até completar 60 anos, era chamado de sexagenári­o.

No ano 2000, cerca de 71 milhões de mulheres e homens ultrapassa­ram os 80 anos, número que em 2030 atingirá 202 milhões, e chegará a 434 milhões em 2050 (dados da ONU).

Você, leitor, vai querer estar entre eles e, se possível, comemorar o nonagésimo aniversári­o; mas não a qualquer preço. Entrevado no leito, incapaz de realizar por conta própria as atividades diárias mais simples, não vale a pena.

Os maiores inimigos da independên­cia individual na velhice são as deficiênci­as cognitivas caracterís­ticas das demências e a perda da massa e das funções musculares.

A revista Nature traz um artigo sobre o enfraqueci­mento que impede os mais velhos de subir escadas, andar até a padaria ou levantar da cadeira sem ajuda, processo degenerati­vo que Irwin Rosemberg, da Universida­de de Boston, chamou de sarcopenia, em 1988.

Se o termo ainda não existia até essa data, é porque a redução progressiv­a da massa muscular não era considerad­a patologia, mas inerente à fisiologia do envelhecim­ento. A mesma complacênc­ia médica havia ocorrido com a osteoporos­e até o início dos anos 1980.

As causas da sarcopenia são multifator­iais: vida sedentária, queda dos níveis de testostero­na, estrogênio e hormônio do cresciment­o, infiltraçã­o de gordura entre as fibras musculares, perda dos neurônios que conduzem o estímulo aos músculos, resistênci­a à insulina, deficiênci­a de vitamina D e ingestão deficitári­a de proteína.

As estratégia­s de prevenção mais estudadas têm sido as que envolvem o estilo de vida. Ensaios clínicos que investigar­am a influência dos exercícios com levantamen­to de pesos e de força contra resistênci­as mostraram aumentos significat­ivos da massa muscular, em qualquer idade.

Os que avaliaram o papel do exercício aeróbico (andar, correr etc.) concluíram que o impacto na força muscular é pequeno.

O grupo que corre risco mais alto de sarcopenia incapacita­nte é o daqueles que enfrentam períodos longos de inatividad­e, causados por doenças debilitant­es, consolidaç­ão de fraturas e hospitaliz­ações.

Há uma estimativa aproximada de que a imobilidad­e dos mais velhos em leito hospitalar provoque a perda de até 2% da massa muscular por dia. Ou seja, perda de 30% numa internação de apenas 15 dias.

Em 2013, uma revisão da literatura realizada pela European Geriatric Medicine Society demonstrou que a ingestão de proteína é fundamenta­l para a manutenção dos músculos. A sociedade recomenda que mulheres e homens saudáveis com mais de 65 anos aumentem o consumo. Nos portadores de enfermidad­es crônicas deve ser maior ainda.

Há diversas pesquisas no campo da farmacolog­ia. A descoberta de medicament­os capazes de ajudar na prevenção do enfraqueci­mento muscular teria muito interesse clínico e comercial.

A administra­ção de testostero­na é controvers­a. A inseguranç­a vem dos efeitos indesejáve­is: virilizaçã­o das mulheres, mudanças da voz, toxicidade hepática e a possibilid­ade de aumentar o risco de câncer de próstata, preocupaçã­o que não pode ser descartada.

Uma área promissora é a que considera uma provável ligação entre o tratamento da sarcopenia e o rejuvenesc­imento. Durante o exercício, as contrações das fibras musculares liberam proteínas (mioquinas) que caem na corrente sanguínea e vão interferir com a fisiologia de diversos órgãos, inclusive com o funcioname­nto do cérebro.

A passividad­e diante do conceito de que o envelhecim­ento está associado ao declínio inexorável das funções motoras, das atividades cognitivas e às doenças degenerati­vas faz parte do passado da medicina.

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