Obrigada, leitores
ESTA SERÁ minha última coluna no caderno Cotidiano da Folha. Continuarei contribuindo com o jornal, através do blog #AgoraÉQueSãoElas e de textos para a página 3. Mas é natural que o fim deste ciclo traga consigo uma abundância de reflexões.
Minha primeira contribuição para Cotidiano se chamava “Uma coluna para Bolsonaro”. Relendo-a hoje, a encontrei mais atual do que nunca. Nela, eu alertava para o papel fundamental que a gestão pouco ética de dados feita pela Cambridge Analytica tinha tido na eleição de Donald Trump. O grande trunfo do presidente americano foi ter conseguido entregar conteúdos distintos para cada tipo de eleitor, dependendo de suas preferências políticas e de seu perfil psicológico.
Esse ser mutante, que se apresentava a cada indivíduo exatamente da forma como aquele indivíduo desejava vê-lo, se esquivou diversas vezes da praça pública. Ele sabia que o jogo no qual ele tinha mais chances de ganhar era o das informações da timeline do Facebook.
Essa estratégia, tão bem-sucedida por lá, está sendo repetida por aqui —por Jair Bolsonaro, evidentemente. Quando Bolsonaro se recusa a comentar a execução de Marielle Franco, alegando que sua opinião seria “polêmica”, deixa a entender que teria posicionamento exatamente igual àquele que quer seu eleitor —sem precisar dizer o que pensa.
Em seguida, a máquina de notícias falsas alimentadas por blogs fraudulentos e pelo MBL começa a entregar conteúdo que reforça os piores instintos de cada indivíduo. Bolsonaro público, mas cada um de seus fãs se sente absolutamente contemplado por seu não-posicionamento.
Esse pouco mais de um ano em Cotidiano (somado aos quase dois anos do blog), me deram a certeza de que a única saída possível para a era do hiper-ruído e das mentiras convincentes é a recuperação do espaço público, e o jornalismo profissional ainda é o único espaço público de informação do qual dispomos.
Não vamos reconstruir um centro político —entendido aqui como o centro do debate, o espaço mínimo
Neste ano eleitoral, os propagadores oficiais de fraudes vão fazer de tudo para descredibilizar a imprensa. E ainda que o jornalismo profissional brasileiro esteja longe de ser perfeito, ele ainda é melhor, muito melhor, do que os veículos fajutos que se posicionam como “mídia independente” —um verdadeiro insulto à mídia independente do país, que existe sim e, ainda que diminuta, entrega conteúdo de excelente qualidade jornalística.
Nesse contexto, é fundamental que as plataformas de difusão de informação, como o Facebook, aumentem o custo da mentira. Banir o MBL —bem como outros grupos, à esquerda e à direita, que ganham dinheiro propagando falsidades de forma intencional e organizada— estreia em Cotidiano: Antonia Pellegrino e Manoela Miklos, minhas companheiras de blog e de vida, vão assinar uma coluna juntas.
Espero que vocês as leiam —e continuem lendo Folha, O Globo, El País, O Estado de S. Paulo, Nexo, Agência Pública e todos os veículos de pequeno, médio e grande porte que ainda se preocupam minimamente em garantir um debate limpo enquanto o país pega fogo.