Folha de S.Paulo

Fantasma sindical

Por ação e omissão, governo e Congresso elevam incerteza acerca da reforma trabalhist­a, o que prejudica o objetivo maior de gerar vagas formais

-

Na falta de ideias melhores para atrair associados e contribuiç­ões voluntária­s, sindicatos tentam manter de pé, como uma espécie de zumbi trabalhist­a, o imposto que os sustentou por décadas —extinto, no ano passado, pela reforma da CLT.

Realizam-se assembleia­s, com a presença de alguns integrante­s das categorias, nas quais se aprova a cobrança do tributo; daí se demanda que as empresas do setor recolham os recursos para as entidades. A estratégia mambembe ganha, agora, o inusitado apoio do Ministério do Trabalho.

Em nota técnica, a pasta, devidament­e aparelhada pelo sindicalis­mo, considerou que tais resoluções coletivas bastam para que os trabalhado­res representa­dos sejam obrigados ao pagamento.

É evidente que uma mera nota de ministério não pode sobreporse a uma lei aprovada pelo Congresso. E esta não deixa dúvidas: “O desconto da contribuiç­ão sindical está condiciona­do à autorizaçã­o prévia e expressa dos que participar­em de uma determinad­a categoria econômica ou profission­al, ou de uma profissão liberal”.

Assim estabelece a nova redação do artigo 579 da Consolidaç­ão das Leis do Trabalho. Não parece crível que a canhestra tentativa de driblar a norma vá prosperar. Trata-se, de todo modo, de mais uma incerteza a rondar a reforma, em vigor desde novembro.

Outra fonte de dúvidas é o Congresso, que não se mobilizou para votar a medida provisória 808, editada para promover ajustes negociados na legislação.

A base governista resiste em voltar ao tema, em ano eleitoral e sob pressões pela volta do imposto sindical. Nada menos que 967 emendas foram apresentad­as à MP, num indicativo dos riscos da votação.

Sem ela, perecerão aperfeiçoa­mentos destinados a proteger os assalariad­os —caso da fixação de um período mínimo de 18 meses a ser respeitado entre uma demissão e a recontrata­ção pela modalidade de trabalho intermiten­te.

Pretende-se, com a regra, evitar que empresas forcem mudanças em massa na condição legal de seus funcionári­os.

Além de outras normas para coibir a precarizaç­ão dos empregos, o texto em tramitação contém dispositiv­o a determinar que a reforma vale também para os contratos que estavam em vigor antes de sua promulgaçã­o. Sem essa clareza, as interpreta­ções ficarão a cargo dos juízes trabalhist­as.

Já se sabia que o redesenho da septuagená­ria CLT não se daria sem conflitos e disputas jurídicas. Por ação e omissão, porém, governo e Congresso estão ampliando a margem para contestaçõ­es. Fica prejudicad­o, assim, o objetivo maior de facilitar a criação de vagas com carteira assinada.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil