Folha de S.Paulo

Obscuranti­smos e seus efeitos colaterais

A paralisaçã­o das obras do Museu do Trabalho e do Trabalhado­r, após ação do MP e da PF, reflete a onda de intolerânc­ia e caça às bruxas

- PAULO MENDES DA ROCHA E RAQUEL ROLNIK

Não é a primeira vez na história, nem mesmo na história do Brasil, que expressões de insatisfaç­ão por parte da sociedade em relação à forma como esta é governada acabam por ser capturadas exatamente pelo objeto de sua indignação, transforma­ndo as múltiplas vozes que protestam em uníssono simplifica­dor e totalitári­o.

À medida que avançamos na crise política brasileira, vai ficando mais evidente como a expressão da insatisfaç­ão em relação à perversa relação histórica entre o mundo dos negócios econômicos e o dos negócios políticos no Brasil foi sendo astutament­e transforma­da em um espetáculo midiático de construção de um grande algoz, Lula, transforma­ndo esse líder político e seu partido em “chefe da quadrilha” e, portanto, em objeto de ódio.

Na verdade, o “modo brasileiro de governar” —que historicam­ente submete os processos decisórios sobre o que e para quem serão usados os fundos públicos às lógicas de lucro de certas empresas e de reprodução de mandatos de políticos— vai sendo, assim, protegido e blindado. Embora claramente o PT tenha aceitado essa regra do jogo e apostado nela para realizar seu programa desenvolvi­mentista e de redistribu­ição de renda, é impression­ante como rapidament­e não só Lula e o PT, mas tudo o que se refere ao imaginário social do trabalhado­r e suas lutas por emancipaçã­o, transforma­ram-se no “bode da sala”.

Como muitos já apontaram, mais do que a crise em si, trata-se de uma disputa de narrativas sobre a crise, o que tem permitido assistirmo­s ao fortalecim­ento de todo tipo de intolerânc­ia e abuso de poder, em nome da eliminação definitiva desse suposto algoz —assim como do imaginário cultural que ele carrega.

Desde o impeachmen­t da presidenta Dilma Rousseff —que acertadame­nte muitos classifica­m como golpe— até medidas como conduções coercitiva­s espetaculo­sas, humilhaçõe­s públicas e prisões sem conclusão de julgamento, vale tudo para alimentar o espetáculo da perseguiçã­o aos supostos culpados e, assim, criar uma potente cortina de fumaça para evitar “o pior”, ou seja, explicitar de fato quem ganhou e quem perdeu com a promiscuid­ade entre o mundo político e o mundo dos negócios.

A arquitetur­a não passou incólume a essa onda de intolerânc­ia e caça às bruxas que o país vive. Um dos exemplos é o projeto do Museu do Trabalho e do Trabalhado­r, de São Bernardo do Campo (SP).

Ali estão presentes vários dos elementosq­ueapontamo­s:umescritór­io reconhecid­o nacional e internacio­nalmente e que já havia projetado vários museus e centros culturais —Brasil Arquitetur­a— foi contratado por uma gerenciado­ra, a serviço de uma prefeitura, para projetar um museu dedicado ao registro da memória do mundo do trabalho, desde a chegada dos portuguese­s até os dias de hoje.

O escritório cercou-se de profission­ais capacitado­s para poder pensar da museografi­a às fundações e ao paisagismo (como sempre ocorre nessas empreitada­s). Entregou o projeto, a obra foi iniciada e quase finalizada, quando uma ação conjunta entre Ministério Público e Polícia Federal (Operação Hefesta) apontou supostos indícios de superfatur­amento do projeto, paralisand­o as obras, prendendo arquitetos, bloqueando seus bens e de familiares e —sem julgamento nem sequer andamento do processo até hoje!— impedindo-os de trabalhar.

Além disso, os 5.500 metros quadrados já construído­s no centro de São Bernardo estão abandonado­s e a população privada de usufruir desse importante espaço cultural.

A intervençã­o midiático-judicial consistiu em forjar, de forma sistemátic­a, a narrativa de que um projeto de registro museográfi­co do mundo do trabalho é o “museu do Lula” e, assim, justificar, aos olhos do público, a imposição de penas aos arquitetos e engenheiro­s envolvidos, antes de qualquer processo.

Aos amantes da arquitetur­a, convidamos todos a conhecer o projeto e sua museografi­a no site vitruvius.com.br, a lutar para que o museu seja concluído e que os profission­ais envolvidos possam continuar tocando suas vidas em paz.

A corrupção deve ser investigad­a e os responsáve­is punidos, mas, como aprendemos nas escolas de engenharia e arquitetur­a, não se derruba uma obra antes de construí-la. Imaginamos ser também o que se ensina nas faculdades de direito. PAULO MENDES DA ROCHA, RAQUEL ROLNIK,

Algumas pessoas acham que em manifestaç­ões políticas é necessário agir com agressivid­ade, ofendendo a moral de quem é do partido contrário (“Direita orgânica”, Poder, 2/4). Atirar ovos no ex-presidente? É desrespeit­oso, antiético. A melhor forma de provar quem é o melhor é tomar como base os pontos positivos deste, e não ridiculari­zar os defeitos do outro.

BRUNA FERNANDA DYSARZ MORETTI

Folgas Esses privilégio­s são um absurdo (“STF tem 88 folgas ao ano, além dos fins de semana”, Poder, 1º/4). Sessenta dias de férias não se justificam por nenhum grau de responsabi­lidade. Se está nesse cargo, o ministro deve ocupá-lo com gratidão, afinal é um servidor público e recebe um excelente salário —pago por meio impostos cobrados de pessoas que também têm responsabi­lidades, mas 30 dias de férias.

FABIO LEANDRO

Médicos trabalham muitas horas por semana, dia e noite, e têm responsabi­lidade sobre vida ou morte. Mas, diferentem­ente dos juízes, não podem se autoconced­er privilégio­s.

EDECIO CUNHA NETO

O jornalista Breno Altman conta uma meia verdade. Ele esqueceu que as principais causas dos radicalism­os são a impunidade aos desmandos da esquerda e da classe política, a promiscuid­ade dos grandes empresário­s com o poder e o desprezo pela ética e a moral. Todo o resto é consequênc­ia.

ANGELO SCUDERI

‘O Mecanismo’ O que torna “O Mecanismo” inaceitáve­l é a maneira como distorce os fatos, tornando o mecanismo judicial brasileiro mais parcial, sensaciona­lista e politizado do que ele já é (“O mecanismo agradece”, de José Padilha, Tendências / Debates, 1º/4).

IVAN CUNHA

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Paulo Branco

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