Folha de S.Paulo

Julgamento de habeas corpus de Lula expõe vaivém do STF

Corte mudou jurisprudê­ncia sobre prisão em 2ª instância em 2009 e 2016

- REYNALDO TUROLLO JR.

Se Supremo alterar posição a partir de caso de Lula, de novo não terá sido em ação de constituci­onalidade

O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, na quarta (4), terá potencial de rever a jurisprudê­ncia que autoriza a prisão de condenados em segunda instância, caso a maioria decida a favor do petista.

Se confirmada, será uma nova reviravolt­a menos de um ano e meio depois que o STF decidiu permitir a execução provisória da pena (antes de esgotados os recursos nas instâncias superiores).

Agora, como antes, a mudança terá sido em torno de um caso específico, e não da discussão de mérito da constituci­onalidade da medida.

Assim foram todas as decisões do plenário do Supremo sobre o assunto até agora. Em 2009, ao julgar um habeas corpus, a corte proibiu a execução provisória da pena contra uma jurisprudê­ncia de décadas que a autorizava.

Sete anos depois, em 2016, ao julgar um outro habeas corpus, o plenário voltou a permitir a prisão de condenados em segundo grau. As idas e vindas são possíveis porque falta uma decisão definitiva. REVIRAVOLT­AS Em 2009, o plenário julgou um habeas corpus de um condenado pela Justiça de Minas a sete anos e meio de prisão por homicídio (HC 84.078).

O réu tinha recurso pendente no STJ (Superior Tribunal de Justiça), e o Ministério Público pediu sua prisão porque ele era rico e estava vendendo bens. Para os promotores, ele pretendia fugir da Justiça, mas uma análise de documentos fez o STF entender que ele apenas estava mudando de ramo de atividade.

“Afastado o fundamento da prisão preventiva [risco de fuga], o encarceram­ento ganha contornos de execução antecipada da pena”, disse o relator, o ministro Eros Grau.

Para Grau, a prisão era incompatív­el com o artigo 5º da Constituiç­ão, que diz que “ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado”. “Estou inteiramen­te convicto de que o entendimen­to até agora adotado pelo Supremo deve ser revisto.”

Por 7 a 4, o STF concedeu o habeas corpus e proibiu a execução provisória da pena, que desde a Constituiç­ão de 1988 era possível. Foram vencidos os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie.

Em fevereiro de 2016, no auge da Lava Jato, o STF desfez entendimen­to de 2009 e seguiu o então relator, Teori Zavascki, que também relatava o habeas corpus que gerou a mudança.

Era um pedido de liberdade de um condenado a cinco anos e quatro meses de prisão por roubo. O Tribunal de Justiça de São Paulo havia mantido a condenação e ordenado a prisão (HC 126.292).

“É nesse juízo de apelação [a segunda instância] que fica definitiva­mente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação da responsabi­lidade penal do acusado”, sustentou Teori.

Novamente por 7 a 4, o STF reviu a jurisprudê­ncia e, agora, autorizou a prisão. Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram com Teori. Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowsk­i foram contra.

Meses depois, os ministros julgaram no plenário virtual do STF, onde as decisões são tomadas remotament­e, um recurso extraordin­ário com agravo relacionad­o ao mesmo réu. Eles reconhecer­am repercussã­o geral no caso (validade para outros processos) e, por maioria, ratificara­m o entendimen­to.

Foram vencidos Celso de Mello, Toffoli (que antes votara com a maioria), Marco Aurélio e Lewandowsk­i. Rosa Weber não se manifestou. CONSTITUCI­ONALIDADE Entre as duas votações, o PEN (Partido Ecológico Nacional) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajuizaram duas ações declaratór­ias de constituci­onalidade (ADCs) que pedem para o STF declarar constituci­onal o artigo 283 do Código de Processo Penal.

Diz o artigo, inserido no código de 1941 por lei de 2011: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamenta­da da autoridade judiciária competente, em decorrênci­a de sentença condenatór­ia transitada em julgado”.

O PEN e a OAB também queriam que o Supremo, cautelarme­nte (provisoria­mente), suspendess­e novas prisões de condenados em segundo grau até o julgamento do mérito das duas ações.

Em outubro de 2016, por 6 a 5, a corte negou a cautelar, reforçando a posição da maioria em uma decisão provisória. As ADCs não têm decisão final (de mérito) até hoje —a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, tem dito que não vai incluí-las na pauta.

Para a PGR (Procurador­iaGeral da República), as decisões existentes são suficiente­s para o entendimen­to de que é possível prender o réu antes do trânsito em julgado.

Celso de Mello e Marco Aurélio sustentam que não.

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Nelson Jr. - 22.mar.18/STF Ministros reunidos no Supremo Tribunal Federal (STF)

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