Folha de S.Paulo

DEPOIS DA TEMPESTADE

Em show de strip-tease , atriz pornô que afirma ter tido caso com Trump atrai fãs e detratores do presidente e diz que sua vida se tornou surrealist­a após entrevista a respeito de relação que republican­o nega

- SILAS MARTÍ

ENVIADO ESPECIAL A NASHVILLE (EUA)

O relógio marcava meianoite em ponto quando Stormy Daniels subiu no palco do Deja Vu Showgirls, em Nashville, vestindo bustiê e calcinha cobertos de purpurina vermelha, azul e branca.

Uma capa completava seu look talhado com inspiração nítida na Mulher Maravilha.

Quando o acessório foi ao chão, segundos depois, a casa veio junto com gritos e assobios eufóricos das centenas de homens e mulheres que abarrotara­m essa boate no coração da maior cidade do Tennessee para ver de perto, em mais carne do que osso, a grande estrela do momento.

Nesse estado sulista, que pende mais para o vermelho dos republican­os do que qualquer outra cor na bandeira americana, a atriz e diretora de filmes pornográfi­cos Stephanie Clifford, que no palco adota o codinome Stormy Daniels, era vista como uma heroína por uns e detratora (curvilínea) por outros.

Dias antes dessas apresentaç­ões a ingresso de R$ 200 em Nashville, ao longo do último fim de semana, Stormy apareceu na TV contando como transou com o presidente Donald Trump sem camisinha e deu tapinhas em suas nádegas usando uma revista com ele na capa.

No palco, ela manteve a mesma verve ousada. Ao som de “American Woman”, a música em que Lenny Kravitz diz que sob luzes coloridas uma mulher pode hipnotizar e deslumbrar qualquer um, Stormy já estava pelada no quinto minuto de uma apresentaç­ão que duraria só dez.

Ela tirou primeiro a parte de cima, com estrelas azuis cobrindo cada peito do tamanho de uma bola de handebol. Depois, a parte de baixo, uma calcinha fio dental que se desmembrav­a aos poucos para sumir no ritmo da música.

Stormy então abraçou com os seios o mastro onde as dançarinas se penduram no meio do palco e depois abriu as pernas revelando um ângulo de sua anatomia que talvez só seu ginecologi­sta tenha visto em igual definição.

Seu gesto faria corar Gustave Courbet e a mulher nua retratada em sua tela “A Origem do Mundo”, pintada em 1866, quase casta em compa- ração. De fato, a América populista de Trump está muito distante do realismo francês do século 19, quando a simples visão de uma vagina ainda causava enorme frisson. ‘TENHO MAIS A CONTAR’ “Tudo gira em torno da xoxota”, dizia um rapaz bêbado, que não quis dizer seu nome. “Saber a hora de fazer as coisas é tudo na vida. Ela está aproveitan­do o momento.”

No instante seguinte, Stormy estendeu um cobertor de veludo no palco. Ela se deitou ali e se lambuzou inteira com hidratante, jogando uns pingos sobre os casais e rapazes sentados na primeiríss­ima fila VIP da boate com paredes de um vermelho-violeta como o de xarope para tosse e bancos de estofado vermelho, que lembram lábios.

Uma das vítimas dos jatos de lubrifican­te da nova celebridad­e favorita deste país, a estudante de ciências políticas Grace Carter assistiu a tudo boquiabert­a, agitando uma bandeirinh­a americana.

“Estar numa boate para encontrar uma das amantes do presidente é meio distópico”, dizia ela, depois de certo esforço para achar as palavras.

“Isso me faz pensar muito no meu país. Odeio Trump, mas ela é a Monica Lewinsky da nossa era, não vai sair de cena”, dizia Carter, lembrando a amante de Bill Clinton na década de 1990. “Não podia deixar de vir aqui, precisava tirar uma foto com ela.”

Um tanto mais sucinto, um garoto segurando um maço de dinheiro para arremessar sobre a dançarina, que chegaria ao fim de sua performanc­e com dólares grudados pelo corpo todo besuntado, só repetia que a “América é mesmo uma grande piada”.

Mas nem todos acham graça. Dakota, uma das dançarinas do Deja Vu que fazem acrobacias impression­antes galgando o poste metálico com chaves de perna ultrapreci­sas, diz que Stormy poderia ter sido bem mais criativa e que só gostou de suas roupas.

Outra, atropelada pela entourage da atriz pornô na saída do palco, mostrava o dedo do meio e gritava que não se importava nem um pouquinho com “aquela vadia”.

No fim do show, os fãs de Stormy Daniels, entre eles muitos com a esperança que suas revelações possam levar ao naufrágio do mandato do homem no comando da Casa Branca, fizeram fila para tirar selfies e pedir autógrafos.

O maquiador Erik Datura, rodeado de amigas com looks góticos, esperou quase uma hora ali para agradecer os esforços da atriz no que parece ser sua saga para acabar com Trump, que xingou usando uns palavrões impublicáv­eis.

Este repórter também encarou a fila do beija-mão. Não pagou o equivalent­e a R$ 66 para tirar uma foto com o celular, mas ouviu da boca dela que sua vida se tornou “surreal” desde a entrevista bombástica na TV e que ela tem muito mais para contar.

Mas ali não era a ocasião. Stormy e um batalhão de assistente­s e seguranças estavam mais preocupado­s em desovar toneladas de merchandis­ing anti-Trump. Um dos itens era a camiseta que dizia que os peitos de mentira da atriz valem mais que as “fake news” do presidente.

Toda festa, no entanto, chega ao fim. Nas altas horas da madrugada, já depois de sua segunda e última aparição naquela noite, um locutor com peruca imitando o penteado com topete platinado de Trump, precisou relembrar os espectador­es que Stormy ainda estava por ali.

Sozinha, ela esperava atrás dos seguranças por fãs que já tinham virado as costas. Um ou outro ensaiou chegar perto, mas desistiu. Stormy Daniels então se despediu sem cerimônia, sumindo na escuridão do clube, talvez tramando como esticar ao máximo os seus 15 minutos de fama.

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Joe Raedle-9.mar.18/Getty Images/AFP Stormy Daniels se apresenta em Pompano Beach (Flórida) durante sua turnê

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