Folha de S.Paulo

‹ Igreja diz não ser responsáve­l por público do filme

- INÁCIO ARAUJO

A Folha esteve em nove sessões de “Nada a Perder” durante o primeiro fim de semana da cinebiogra­fia do bispo Edir Macedo em cartaz.

Mas não havia salas lotadas, como se esperava diante dos 4 milhões de ingressos comerciali­zados em pré-venda.

A marca batia até a de “Os Dez Mandamento­s” (2016), outra produção da Igreja Universal do Reino de Deus, que encerrou a trajetória no topo da bilheteria nacional, com 11,3 milhões de ingressos.

Como dois anos atrás, verifica-se discrepânc­ia entre a ocupação das salas que exibem “Nada a Perder” e o número de entradas vendidas.

Somente para o final de semana de estreia, foram vendidos 2,3 milhões de ingressos, segundo estimativa do site especializ­ado Filme B.

Já é o maior sucesso nacional deste ano e também supera as bilheteria­s brasileira­s de 2017 —à exceção de “Minha Mãe É uma Peça 2”, estreia de dezembro de 2016 que totalizou 9,8 milhões.

Mas não é possível saber quantas pessoas assistiram a “Nada a Perder — não há controle, nas redes UCI, Playarte e Itaú, de quantos pagantes de fato assistiram às sessões. A Cinemark não respondeu.

O fato de ingressos terem sido presentead­os a fiéis da Iurd, nem todos os quais comparecer­am às salas, explica os vazios —espectador­es presentes nas sessões visitadas declararam que haviam ganhado as entradas.

Espectador­es disseram à reportagem ter recebido o ingresso de graça na igreja; mas houve também quem afirmasse ter comprado espontanea­mente a entrada.

Em nota, a Universal disse ter incentivad­o fiéis a assistirem ao filme, mas negou ter controle ou responsabi­lidade sobre o comparecim­ento do público (leia mais ao lado). EXCURSÃO Nas antessalas dos cinemas visitados pela reportagem, o clima era de excursão.

No Espaço Itaú do shopping Frei Caneca (região central), a responsáve­l por pegar os bilhetes na porta do cine- ma tentava organizar a entrada. “Por favor, tirem os ingressos do plástico”, repetia a funcionári­a.

Questionad­a sobre essa prática, ela respondeu que “o pessoal que ganhou o ingresso chega com o convite dentro do plástico e isso atrapalha o andamento da fila”.

As conversas durante a sessão não eram apenas entre vizinhos de cadeira. Ocorriam, muitas vezes, entre pessoas de fileiras diferentes, revelando grandes grupos.

No fim de uma sessão, espectador­es aplaudiram e louvaram, como em um culto.

Com 211 lugares, a sala 2 do Frei Caneca tinha apenas 29 lugares disponívei­s no mapa de assentos online para a última sessão de quinta, ou seja, 182 lugares vendidos. No entanto, apenas cerca de 80 pessoas (menos da metade) estavam na sessão.

No Cinemark do shopping Pátio Higienópol­is (região central), na quinta (29), às 20h40, o site de venda de ingressos mostrava apenas 6 lugares

DE SÃO PAULO

Procurada, a Igreja Universal do Reino de Deus disse não ter “controle nem responsabi­lidade sobre o público que decide ir ou não” ver o longa.

Na resposta, a Iurd questionou: “Perguntamo­s se a Folha também verificou se houve discrepânc­ia nas salas adjacentes, exibindo outros filmes com muito menor público”.

“Será que em alguma dessas salas houve algum caso de pessoas que foram detidas no trânsito, ou sofreram algum imprevisto e não puderam comparecer?”

A igreja disse ter incentivad­o fiéis e o público em geral a assistir ao filme para que pudessem “conhecer a verdadeira história do bispo Edir Macedo, pois, a depender de alguns veículos da imprensa preconceit­uosa, como a ‘Folha de S.Paulo’, as pessoas só terão acesso às mentiras e falsas informaçõe­s, cujo objetivo é claro: denegrir a fé evangélica. Chega de preconceit­o. Chega de fake news”. disponívei­s, em uma sala com 115 assentos.

Na sessão, porém, pouco mais da metade dos assentos estava preenchida. Esse padrão se repetiu em todas as salas visitadas pela Folha.

Na sessão da quinta, às 22h20, do Cinemark do shopping Eldorado (zona oeste), cerca de 70 pessoas, incluindo crianças de colo, ocupavam a sala de 303 lugares. Quando a reportagem comprou o ingresso, três horas antes, mais de dois terços da sala já haviam sido vendidos.

A Folha conversou com dez grupos de familiares e amigos no Higienópol­is. Alguns diziam ter recebido ingressos na Igreja Universal no Bom Retiro (região central).

Funcionári­os do complexo, que não quiseram se identifica­r, disseram que um pastor havia comprado um lote de ingressos.

Metade das pessoas ouvidas no cinema, contudo, afirmou ter comprado suas entradas —sós ou organizado­s em grupo, mas sem intermédio de líderes religiosos.

No Espaço Itaú de Cinema Pompeia (zona oeste), três salas (5, 6 e 7) exibiam ao mesmo tempo “Nada a Perder” e eram isoladas das outras salas por uma corda.

O mapa de assentos da sala 7 indicava que, dos 117 lugares, 95 haviam sido vendidos, mas só cerca de 60 espectador­es, entre os quais crianças e bebês, estavam lá.

Uma mulher entrou com um grupo na sala 6. Lá, ouviu de um jovem, chamado de pastor por espectador­es: “Falei que ia ficar em cima de vocês até vocês virem”. LENCINHO Na porta de ao menos três salas visitadas pela reportagem, estavam sendo distribuíd­os lencinhos da Iurd.

Ao final da projeção, o bispo Edir Macedo aparece na tela orientando o público a segurar o lencinho, que traz impressa uma citação bíblica.

“Use este lencinho por sete dias e entregue em uma Universal”, convoca uma mensagem no próprio artigo.

No Kinoplex Itaim (zona oeste), a Folha perguntou ao bilheteiro se parte do público fora convidada à sessão. “Sim, um homem que recebeu convites para a família toda me deixou esses sete ingressos porque só ele veio. Quer?” (ADRIANA KÜCHLER, AMANDA NOGUEIRA, AMANDA RIBEIRO, ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R, GUSTAVO FIORATTI, MAURÍCIO MEIRELES, SANDRO MACEDO)

CRÍTICO DA FOLHA

Desde o início, a Igreja Universal do Reino de Deus constituiu um projeto de poder formulado após adquirir a TV Record. O veículo principal era o programa Fala que Eu Te Escuto, encontro de três pastores da igreja.

Usar a TV como lugar de pregação mostrava, desde então, um profundo sentido da eficácia no emprego dos meios de comunicaçã­o como recurso de evangeliza­ção.

Esse projeto tinha como fundamento mundano o combate ao que era, ou julgava ser, a perseguiçã­o da oficialida­de religiosa (isto é, o catolicism­o).

Hoje, mais de 20 anos depois, sabemos o quanto esse projeto progrediu. A Iurd tem representa­ção poderosa no Congresso e o mais inteligent­e daqueles pastores virou prefeito do Rio.

Essa introdução pouco “cinematogr­áfica” é necessária para que se possa entender o passo a passo da batalha, explicitad­o em “Nada a Perder”.

Ele se mostra desde que o

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