Folha de S.Paulo

NADA A PERDER

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jovem Edir questiona a imagem do “Deus morto” (crucificad­o) que vê na parede de sua casa. Acha que Deus só tem sentido se for vivo.

Sua obsessão pela salvação das almas vem da juventude. Nesse momento enfrentará as primeiras adversidad­es e decepções na área, sendo julgado ora pouco preparado, ora pouco ambicioso.

Quanto à ambição, em todo caso, o diagnóstic­o é errado. O jovem Edir quer falar ao povo mais pobre, mais despossuíd­o, mais necessitad­o. Em vez do “Deus morto”, oporá um mais que presente, que chega à alma, invariavel­mente, por meio do corpo: cura asma, expulsa o demônio, provê bens materiais.

Toda essa trajetória é tratada de maneira didática em “Nada a Perder”. Como se trata de uma biografia (autorizadí­ssima), tudo isso é atravessad­o pela figura humana do fundador da igreja, Edir Macedo, descrita como alguém cuja força e carisma (indiscutív­eis) derivam simplesmen­te de sua grande fé.

O movimento é duplo: mostrar a humanidade de Edir é postular que todas as suas virtudes provêm de sua fé e de sua submissão ao poder de Deus —este é, em suma, o projeto de poder da Iurd.

Não por acaso, dos embates iniciais com pessoas ligadas ao espiritism­o e pastores passa-se ao enfrentame­nto frontal com o catolicism­o.

“Nada a Perder” prega aos convertido­s numa linguagem que certamente não é a de críticos de cinema (entre outros). Mas o faz com eficiência (filme novelão).

Com bom elenco e direção de arte razoável, o filme mostra que a Iurd, após demonstrar seu controle sobre a retórica da TV, invade a seara, por tradição, mais próxima do catolicism­o: o cinema. Por ora, modestamen­te.

Mas foi a modéstia, diz o filme, que fez de Edir uma potência. Vencer o catolicism­o em seu campo seria um triunfo a mais no projeto de poder (bem mundano) do neopenteco­stalismo. Apesar da bancada em Brasília, da Prefeitura do Rio, ele ainda tem tudo a ganhar e nada, ou bem pouco, a perder. DIREÇÃO Alexandre Avancini ELENCO Petrônio Gontijo, Day Mesquita e Dalton Vigh PRODUÇÃO Brasil, 2018, 12 anos AVALIAÇÃO regular

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