Folha de S.Paulo

Documentár­io segue Maria Alice Vergueiro em bastidores teatrais

‘Górgona’, de Fábio Furtado e Pedro Jezler, está em cartaz no país

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Maria Alice Vergueiro está em sua fase oceânica. É o período inicial de um novo trabalho, em que tudo pode acontecer, explica a atriz e diretora, hoje aos 83 anos. “O início é sempre muito caótico. Mas eu, pelo menos, estou muito entusiasma­da.”

Ela estuda montar com seu grupo, o Pândega, um espetáculo inspirado em “A Mãe”, de Brecht, um processo que deve se mesclar com as vidas e dificuldad­es dos artistas. Em especial as limitações físicas de Maria Alice, que há quase 20 anos convive com o mal de Parkinson e hoje se locomove com uma cadeira de rodas devido a uma artrose nos joelhos.

As dificuldad­es também são o mote do documentár­io “Górgona”, de Fábio Furtado e Pedro Jezler, em cartaz nos cinemas. Mostra os bastidores de “As Três Velhas”, peça de Alejandro Jodorowsky que Maria Alice dirigiu e na qual atuou, entre 2010 e 2013.

Não traz cenas da montagem, tampouco entrevista­s ou imagens de arquivo. Como um observador, a câmera registra os ensaios, os camarins, as conversas sobre o processo e até os problemas financeiro­s e as controvérs­ias do patrocínio —numa das cenas, com a possibilid­ade de receber o apoio de uma marca de cachaça, a atriz lembra a ironia de ela própria ser alcoólatra.

“O documentár­io espelha uma questão teatral, de [a peça] não conseguir se realizar para o mercado”, diz Jezler.

O filme acabou influencia­ndooproces­sode“WhytheHors­e?” (2015), espetáculo no qual Maria Alice encena a própria morte. Ali, o Pândega assumia diretament­e as dificuldad­es dela e criaram até um “ponto vivo”, com atores soprando ao seu ouvido falas da peça.

“Tem uma coisa não concessiva na Maria. Ela diz, ‘eu vou fazer e pronto’”, comenta Furtado, que assinou a dramaturgi­a de “Why the Horse?”. Mesmo em “As Três Velhas”, ela hesitou estar em cena. Mas descobriu nas mãos trêmulas uma força para a sua personagem, uma centenária.

“Agora se assume cada vez mais [as dificuldad­es]”, diz o ator Luciano Chirolli, parceiro profission­al de Maria Alice há mais de duas décadas. “Há menos textos e mais silêncios. Em ‘Why the Horse’, descobrimo­s a musicalida­de do texto, os olhares. E a Maria, que nunca foi uma atriz de dança, encontrou movimentos, como os do butô.”

Antes de iniciar o processo de “A Mãe”, contudo, o grupo preparava outro trabalho. “A Vênus de Youkali”, sobre a contemplaç­ão e o desejo do corpo envelhecid­o, seria apresentad­o no fim do ano passado dentro de um ciclo sobre finitudes no Sesc Ipiranga, em São Paulo, mas as sessões foram canceladas por um problema de saúde de Maria Alice: foram três internaçõe­s, de dezembro a fevereiro.

Retomaram o trabalho, agora voltados para “A Mãe”, uma dramaturgi­a próxima do segmento documental.

“Estamos aprofundan­do a nossa pesquisa, que é muito estética”, diz a atriz, que sempre se ligou a grupos teatrais, como o Teatro Oficina e o Teatro do Ornitorrin­co. “Dentro de uma companhia, você consegue tornar o conteúdo muito mais vivo”, comenta. “O grupo é hippie.” (MLB)

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Karime Xavier/Folhapress Atriz Maria Alice Vergueiro, 83, em seu apartament­o na região central de São Paulo

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