Empresas de tecnologia poderão dar crédito no país
Medidas buscam elevar a competição no setor e agilizar a redução das taxas de juros dos empréstimos
O Conselho Monetário Nacional aprovou regras pelas quais as fintechs (empresas de tecnologia do setor financeiro) podem fazer empréstimos sem intermediação de bancos. O governo espera, com isso, reduzir juros.
brasília O governo liberou empresas de tecnologia da área financeira, as chamadas fintechs, para conceder empréstimos sem a necessidade de intermediação de bancos.
A medida, em tese, pode ampliar o número de empresas voltadas à concessão de crédito a consumidores e empresas, ampliando a concorrência e abrindo espaço para uma redução mais acelerada da taxa de juros de empréstimos.
Até hoje, as plataformas digitais que atuavam nesse segmento atuavam como correspondentes bancários. Ou seja, precisavam da intermediação de um banco para concluir a operação.
Agora, poderão se tornar uma instituição financeira, eliminar um intermediário na cadeia, o que reduz os custos.
Em duas resoluções, divulgadas nesta quinta-feira (26), o CMN (Conselho Monetário Nacional) permite que fintechs operem em duas modalidades: sociedades de empréstimos entre pessoas (peer to peer, em inglês) e sociedades de crédito direto.
Na primeira modalidade, as fintechs atuam como pontes que ligam investidores dispostos a emprestar recursos, com uma taxa de retorno favorável, a tomadores de crédito.
Nessas operações, o CMN fixou como teto R$ 15 mil por investidor interessado em emprestar. O limite vale apenas para investidores não qualificados (com aplicações inferiores a R$ 1 milhão).
Na consulta pública sobre a regulamentação do setor, em agosto, o BC sugeriu um limite maior, de R$ 50 mil.
Segundo Otávio Damaso, diretor de regulação do BC, o limite foi reduzido para testar as operações. Além disso, obrigará o investidor a diversificar o risco, buscando diferentes tomadores.
Com o sinal verde do CMN, poderão ser criados “supermercados de crédito”, plataformas digitais em que investidores e tomadores de empréstimos poderão negociar taxas em operações diretas.
Na segunda modalidade, de sociedades de crédito direto, atuarão fintechs que emprestam recursos próprios, geralmente originários de fundos de investimento ou de bancos que se tornaram sócios ou parceiros dessas empresas. O principal diferencial nesse modelo é a eliminação do banco como intermediário.
Em nenhuma das duas modalidades as empresas poderão captar recursos no público em geral para emprestar, como fazem os bancos.
Damaso diz que essas empresas cobrirão lacunas do mercado de crédito.
Com a resolução, as fintechs poderão atuar ainda em segmentos antes restritos a instituições financeiras tradicionais, como análise de crédito e cobrança e seguros, sempre que relacionadas à concessão de crédito.
Para serem enquadradas como instituições financeiras, as fintechs terão que obedecer a requisitos operacionais e prudenciais exigidos pelo BC.
A regulação existente hoje discrimina as instituições em cinco categorias, de acordo com a complexidade das operações que realiza e de seu tamanho.
As fintechs deverão ser enquadradas no segmento S5, cuja regulação é a mais leve. Grandes bancos que operam no exterior, por exemplo, estão no segmento S1, ou seja, seguem regras mais rígidas.
O CMN permitirá que as empresas do segmento S5 façam operações de securitização e de venda de direitos creditórios (recebíveis), alem de custódia, o que antes era vedado na categoria de atuação mais simplificada.
Damaso observou que, com a nova regulação para as fintechs, o CMN “quebra um paradigma” ao permitir que instituições financeiras sejam controladas por fundos de investimentos, brasileiros ou estrangeiros —realidade do modelo de negócios das startups do setor financeiro. Muitas são controladas por fundos de private equity.
A estimativa de Damaso é que entre 10 e 30 fintechs peçam a autorização para operar como instituições financeiras nos próximos meses. O BC, disse ele, simplificou os processos de adesão para facilitar a entrada de start-ups no setor financeiro. Entre eles, o empresário destaca novos formatos de crédito pré-aprovado a ser oferecido a partir da internet. A companhia dá crédito em operações nas quais o consumidor oferece um bem como garantia, prometendo em troca juros menores do que os habituais.
Bruno Poljokan, diretor do Just Bank, de crédito online, diz que a regulamentação pode sim ajudar a baixar o spread —diferença entre o juro que o banco capta e o que ele empresta. Mas isso vai depender do cliente também.
“O consumidor brasileiro está acostumado a pesquisar muito, mas com menos frequência quando se fala em produtos financeiros. Normalmente, não se tinham acesso a eles fora do banco. Agora, com as fintechs de crédito evoluindo e crescendo, isso vai aumentar a competitividade no setor”, ressalta.
Sobre o aumento da concorrência, Mathias Fischer, diretor de regulação da ABFintechs (associação das fintechs), vê baixa chance de retaliação dos bancos por causa das mudanças. “Existe a possibilidade de eles perderem uma fonte de receita ou margem, mas não acredito que eles entrem em uma posição de embate”, afirma.
Haverá também mais atenção do regulador sobre essas empresas, diz Marcos Sader, advogado do escritório Ulhôa Cantos. “Aumentará o peso da fiscalização do BC, exigindo mais atenção com a criação de estrutura para prevenção à lavagem de dinheiro”, afirma.