Folha de S.Paulo

Ex-cracolândi­a, praça renasce com crianças

Com ajuda privada, área do centro paulistano ganhou quadra, parquinho, banheiros e base para a PM

- -Mariana Zylberkan

Com ajuda privada, a Praça Princesa Isabel, na região central, ganhou quadra, parquinho e uma base para a PM.

são paulo Flagrar pisadas nos blocos de grama recémplant­ados é um dos poucos motivos que fazem os policiais militares chamarem atenção dos atuais frequentad­ores da praça Princesa Isabel, na região central de São Paulo.

Reformada por uma empresa privada, a área de 16,6 mil m² entre as avenidas Rio Branco e Duque de Caxias passou a receber novamente moradores de seu entorno, após ter sido ocupada por usuários de drogas da cracolândi­a por um mês no ano passado.

Em maio de 2017, uma procissão de dependente­s químicos deixou o entorno da estação de trem Júlio Prestes, atravessou a avenida Rio Branco e se instalou na praça —que, naquele momento, tornou-se a nova sede da cracolândi­a.

Era uma reação à ação policial que desobstrui­u vias e prendeu traficante­s, mas que sofreu críticas por não acabar com a venda de drogas a céu aberto e pela falta de atendiment­o social aos usuários.

A ocupação da praça também funcionou como uma espécie de protesto contra a proibição imposta pelos PMs de montar barracas na cracolândi­a —é sob lonas e pedaços de papelão que as drogas são vendidas e consumidas.

Apenas um dia após a ida de usuários de crack para a praça, a Guarda Civil Metropolit­ana contabiliz­ou cerca de 600 pessoas estabeleci­das por lá.

Essa ocupação durou pouco, deixou de existir há quase um ano, mas a recuperaçã­o de fato da Princesa Isabel é recente, há cerca de 20 dias —quando a seguradora Porto Seguro, que possui cerca de dez imóveis na vizinhança, entregou a reforma.

Além de canteiros descuidado­s de terra batida terem sido substituíd­os por um novo gramado, a praça ganhou um espaço cercado para cachorros, parquinho, mesas, banheiros, aparelhos de ginástica e uma quadra —de longe o espaço mais disputado.

Funcionári­os de churrascar­ias no entorno aproveitam a novidade para organizar campeonato­s de futebol de salão.

Na tarde de segunda (23) era a vez de garotos que moram na favela do Moinho, perto dali, usarem a área em atividade organizada por um projeto social. Antes, eles jogavam futebol no largo Coração de Jesus, ao lado da cracolândi­a.

Em dias de quadra disputada, como nos finais de semana, o policial que estiver na base é responsáve­l por organizar o rodízio de times em um papel preso a uma prancheta.

Os oficiais exigem a presença de pelo menos um maior de 18 anos que apresente o RG. Cada grupo pode utilizar a quadra por até uma hora.

No último fim de semana, além da quadra, o gramado próximo ao parquinho também foi disputado. Um grupo de bolivianos, moradores do Bom Retiro, foi à praça fazer um churrasco improvisad­o.

Até uma TV foi levada por eles e ligada no posto da PM. “Está virando um novo parque Ibirapuera”, diz o sargento Marcos Lopes, oficial da base.

Outro policial que faz ronda na praça diz que, antes da reforma, retirava pessoas que usavam os brinquedos para consumir drogas e fazer sexo.

O maior fluxo de frequentad­ores tem atraído também ambulantes, que vendem picolé e pipoca —e antes passavam longe por medo de roubo.

Os carrinhos são mais frequentes a partir do fim da tarde, quando os aparelhos de ginástica são disputados pelos frequentad­ores. A pista que corta a praça foi recapeada com asfalto e também tem sido usada por corredores.

Da estadia de usuários de drogas, porém, ainda há resquícios. Em um tronco de árvore, estão pichadas as letras PCC, em referência à principal facção criminosa paulista.

É frequente também a presença de moradores de rua, que dormem sobre a grama nova. Abordados por policiais, alguns saem de lá e se dirigem para a cracolândi­a. Outros se sentam nas cadeiras novas de alvenaria para dormir.

De manhã, frequentad­ores relatam a presença diária de idosos que vivem em abrigos próximos e estão acostumado­s a se reunir na praça para tomar cachaça —o que é proibido nos albergues.

Apesar da repaginada, a proximidad­e com a cracolândi­a, a dois quarteirõe­s de distância, não passa despercebi­da.

Dentro da base da PM construída na praça durante a reforma, os oficiais deixam encostados na parede dois escudos usados pelo Batalhão de Choque em caso de confronto.

Os frequentad­ores também sabem se o passeio poderá ou não ser feito só de olhar para a calçada oposta da avenida Rio Branco —para onde os usuários costumam correr durante ações policiais na cracolândi­a.

Bastou ver uma correria de longe para a dona de casa Vitória da Silva Santos, 20, desistir de levar o filho Joaquim, 2, para brincar na praça na última sexta (20). O passeio que é feito todos os dias pela família desde a reinaugura­ção da praça foi interrompi­do por causa de confronto na cracolândi­a.

“Na hora, eu gelei. Voltei correndo para casa. Só via um monte de outras mães na praça correndo desesperad­as com as crianças”, lembra.

Moradora de um prédio próximo, Vitória comemora a possibilid­ade de ter o espaço público como alternativ­a de lazer, mas, para se sentir mais segura, evita ir sem a companhia do marido, exceção naquela tarde de segunda-feira. “Vim porque ele não parava quieto dentro de casa.”

Naquela manhã, guardas civis e usuários de droga entraram em confronto a um quarteirão da praça Princesa Isabel. Houve depredação após dependente­s terem reagido às ordens dos agentes para desmontar as barracas.

Palácio do Campos Elíseos Cracolândi­a Estação Júlio Prestes Na hora, eu gelei. Só via um monte de outras mães na praça correndo desesperad­as com as crianças Vitória da Silva Santos dona de casa, sobre passeio com filho de 2 anos interrompi­do após correria de usuários de crack

 ?? Zanone Fraissat/Folhapress ?? Crianças brincam em parquinho da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, alvo de trabalho de revitaliza­ção ABR.2018
Zanone Fraissat/Folhapress Crianças brincam em parquinho da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, alvo de trabalho de revitaliza­ção ABR.2018
 ?? Rivaldo Gomes - 13.jun.2017/Folhapress ?? Usuários de drogas ocupam a praça após mudança na cracolândi­a JUN.2017
Rivaldo Gomes - 13.jun.2017/Folhapress Usuários de drogas ocupam a praça após mudança na cracolândi­a JUN.2017

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