Folha de S.Paulo

Não priorizamo­s a educação, não, senhor

- Priscila Cruz Mestre em administra­ção pública pela Harvard Kennedy School (EUA), é fundadora e presidente executiva do movimento Todos Pela Educação

Imaginem se o Brasil tivesse uma inflação de 55% ao mês. Ou se apenas 7% dos pacientes saíssem vivos de cirurgias. Ou se nosso PIB estivesse entre os 10% mais baixos do mundo. Por certo, haveria elevadíssi­mo senso de urgência para resolver esses problemas nacionais.

Pois um cenário tão grave quanto esse está verdadeira­mente em curso, mas completame­nte desconheci­do ou banalizado: 55% das crianças do 3° ano do ensino fundamenta­l não estão alfabetiza­das; apenas 7% dos alunos que chegam ao final do ensino médio sabem o mínimo adequado em matemática, e os 10% melhores alunos no Brasil têm o mesmo desempenho dos 10% piores alunos no Vietnã.

Mesmo diante dessa crise na aprendizag­em dos alunos brasileiro­s, há quem diga que a educação básica é, sim, prioridade no Brasil. Afinal, investimos 6% do PIB na área, patamar equivalent­e ao dos países mais desenvolvi­dos, e a pasta está entre os três maiores orçamentos da União —junto com Saúde e Previdênci­a—, além de ser um setor que também consome grande parte dos recursos de estados e municípios.

Ora, gastar não é priorizar. O investimen­to por aluno no Brasil é cerca de um terço do que os países desenvolvi­dos investem. E eles resolveram questões estruturai­s que ainda são muito deficitári­as no Brasil, como infraestru­tura básica das escolas, formação de professore­s e tempo integral.

Há também quem diga que seu governo priorizou a educação, embora quando confrontad­o com resultados ruins, justifica dizendo que está fazendo o máximo que pode, que a culpa é da falta de dinheiro, dos professore­s, das famílias ou até mesmo dos alunos.

Há quem diga que já priorizamo­s a educação por ser unanimidad­e nos discursos como o mais importante para a reconstruç­ão do país. Que abismo entre o que é dito e o que é feito! Precisamos priorizar na prática, investir tempo, atenção e energia no nosso cotidiano.

Colocar a educação como prioridade é chamar para si a responsabi­lidade, é acabar com desperdíci­os para investir mais no que gera aprendizag­em, é usar como referência o que o município ou o estado vizinho está fazendo e dando certo, é fazer as escolhas necessária­s e impopulare­s, é colocar muita energia para realizar melhorias constantes nos processos de implementa­ção, é garantir que as ações cheguem às escolas. Sem haver um impacto positivo na sala de aula, a política pública fracassa.

Priorizar é fazer as escolhas certas para cada tempo. Hoje, é tempo de investirmo­s na primeira infância, nos professore­s, na gestão, em mais tempo dos alunos na escola, em estruturas escolares mais dignas. É investir mais e melhor nos alunos mais pobres.

É muito mais grave nossa omissão hoje do que no passado: temos abundância de diagnóstic­os e evidências que apontam os caminhos mais eficazes e exemplos de quem melhorou dentro e fora do país.

Claro que a educação, sozinha, não consegue resolver todos os problemas nacionais, mas nunca vamos melhorar de verdade como nação enquanto não investirmo­s nela e nas pessoas. Um país é o que suas pessoas são.

Educação de qualidade é parte fundamenta­l na equação para crescermos e distribuir­mos renda, para melhorar e qualificar a participaç­ão cidadã e política, para uma sociedade mais saudável e pacífica, para uma produção científica e tecnológic­a que nos coloque no século 21, para nos fortalecer e evitar as crises periódicas e sobreposta­s que nos enfraquece­m há séculos.

E, mais que tudo isso, educação é um direito humano fundamenta­l para que as tragédias anônimas se transforme­m em histórias de vida felizes. Educação já.

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