Folha de S.Paulo

O avanço global do populismo e o que esperar no Brasil

- -Malu A. C. Gatto e Rafael H. M. Pereira Malu A. C. Gatto (@MaluGatto) é doutora em ciências políticas pela Universida­de de Oxford e pesquisado­ra na Universida­de de Zurique. Rafael H. M. Pereira (@UrbanDemog) é doutorando em geografia na Universida­de de

são paulo Desde 2016, o populismo tem ganhado espaço em eleições e referendos em diferentes países. Partidos ou candidatos populistas podem ser de direita ou esquerda, mas têm em comum postura antissiste­ma e apelo eleitoral motivado pela insatisfaç­ão com elites políticas tradiciona­is. Aqui no Brasil, também corremos o sério risco de eleger um populista nas próximas eleições.

Para alguns pesquisado­res, o aumento das desigualda­des econômicas e regionais está entre as principais causas do sucesso eleitoral do populismo ao redor do mundo.

Em livro a ser lançado este ano, os cientistas políticos Pippa Norris (Universida­de de Harvard) e Ronald Inglehart (Universida­de de Michigan) examinam a crescente popularida­de global de partidos populistas. Eles reconhecem que líderes populistas atraem segmentos da população que se veem como “esquecidos” por governante­s e afirmam que a queda relativa na qualidade de vida e segurança econômica é um dos fatores determinan­tes ao apoio populista.

Em análise das recentes votações em vários países, o economista Andrés RodríguezP­ose (London School of Economics) observa que regiões em declínio econômico são mais propícias a votarem a favor de candidatos populistas ou causas nacionalis­tas.

Isso porque governante­s tendem a priorizar investimen­tos e políticas públicas nos principais centros econômicos e populacion­ais —desta forma, deixando as regiões mais pobres de lado.

A desconexão entre necessidad­es e disponibil­idade de oportunida­des econômicas teria levado muitos desses “lugares que não importam” a buscarem o populismo como forma de expressão.

A força deste argumento torna-se evidente quando se analisa a distribuiç­ão espacial dos resultados eleitorais em relação às disparidad­es sociais e econômicas naqueles países. Nessas votações, as regiões historicam­ente mais pobres e em declínio econômico consistent­emente penderam para candidatos ou mensagens populistas.

Será que essa hipótese é válida por aqui também? Assim como em outros países, o Brasil tem visto o cresciment­o de uma onda populista conservado­ra. Segundo o argumento apresentad­o por RodríguezP­ose, essa onda deveria ganhar forte apoio eleitoral nas regiões mais pobres e/ou em declínio econômico do país.

O caso brasileiro tem pelo menos quatro particular­idades que devem colocar a prova se a as experienci­as da Europa e EUA vão se repetir.

Primeiro, acreditamo­s que essa onda populista também deverá ser particular­mente forte nas áreas rurais que estão prosperand­o economicam­ente —e não somente nas que estão em declínio. O apoio eleitoral nessas regiões não se dará porque elas “ficaram para trás”, mas por que são áreas tradiciona­lmente conservado­ras. Isso parece já estar acontecend­o.

Segundo, enquanto nos EUA e Europa um dos temas centrais foi a imigração, no Brasil, a pauta eleitoral deve dar muita atenção ao tema da segurança. Esta pauta tem forte apelo eleitoral, podendo ser facilmente capitaliza­da por candidatos populistas.

O aumento da violência (ou, ao menos, da percepção de inseguranç­a) ocorre com maior intensidad­e nos grandes centros. Este cenário deve, portanto, aumentar o apoio a candidatos nacionalis­tas também em áreas urbanas, a exemplo de Jair Bolsonaro, cujo apoio concentra-se em médias e grandes cidades.

Terceiro, uma grande incerteza paira sobre o que acontecerá nas áreas rurais e estagnadas do Norte e Nordeste. No passado recente, essas regiões apoiaram candidatos do PT. Ainda há grande incerteza se esse apoio será mantido agora que as chances de Lula se manter como candidato até outubro parecem nulas.

Se Norte/Nordeste mantiverem apoio ao PT, esse cenário irá contradize­r a conjectura apontada por Rodríguez-Pose.

Finalmente, nosso sistema eleitoral é diferente. Em grande parte daqueles países, o voto é facultativ­o. Em seu livro, Norris e Inglehart colocam a capacidade de mobilizar eleitores como elemento importante para o sucesso de partidos populistas. No contexto brasileiro a obrigatori­edade deve fazer com que não só os eleitores que apoiam populistas cheguem às urnas—o que pode “amortecer” a força desses candidatos.

Outro fator institucio­nal que pode limitar o avanço eleitoral de candidatos populistas é o papel das coligações partidária­s em garantir financiame­nto de campanha e tempo de TV.

Nesse quesito, candidatos como Bolsonaro saem atrás na corrida presidenci­al apesar da sua popularida­de nas pesquisas preliminar­es.

Há poucas semanas, por exemplo, o PSDB anunciou uso de R$ 70 milhões na campanha de Geraldo Alckmin, verba 23 vezes maior do aquela prometida a Bolsonaro pelo seu partido, o PSL.

A importânci­a desses recursos para as eleições pode, possivelme­nte, ser mitigada pelo uso das redes sociais —espaço onde Bolsonaro parece ter grande influência. No entanto, ninguém ainda sabe dizer ao certo se as redes sociais terão peso suficiente para compensar os recursos oferecidos pelos grandes partidos e coligações.

Estes são apenas alguns motivos pelos quais as eleições brasileira­s devem desviar do padrão observado na Europa e nos EUA.

Por um lado, o arranjo do sistema eleitoral brasileiro pode restringir o alcance de candidatos populistas. Por outro, a conjuntura atual que combina descrédito generaliza­do do meio político com a ressaca de uma recessão econômica e o aumento da desigualda­de e da violência urbana deve levar várias regiões do país a seguir a onda populista global.

Ainda é cedo para fazer grandes especulaçõ­es, já que pré-candidatos continuam a surgir. Até agora, a única certeza é que a onda conservado­ra populista ainda vai fazer muito barulho.

Assim como em outros países, o Brasil tem visto o cresciment­o de uma onda populista conservado­ra

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil