Pesquisa mostra como a crise afetou a rotina nos lares brasileiros
Cozinhar com lenha e carvão, ser obrigado a morar de favor e usar internet na TV para ver Netflix são rotina no país, diz IBGE
rio de janeiro e curitiba No ano em que o preço do gás de cozinha teve alta histórica, 1,2 milhão de domicílios brasileiros passaram a usar também lenha e carvão como alternativa para cozinhar.
Os dados fazem parte da pesquisa Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2017, feita com base em informações coletadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) e divulgada nesta quinta-feira (26).
O levantamento é um retrato sobre as transformações que ocorrem na vida dos brasileiros pela perspectiva de seus lares, em especial na crise.
O caso da lenha é um exemplo que reflete a alta no preço do gás de cozinha. Em 2017, 12,3 milhões de domicílios usaram lenha ou carvão como combustível para cocção, crescimento de 11% com relação aos 11,1 milhões verificados no ano anterior.
Para o consumidor, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), o botijão de gás teve aumento de 16,4% no ano, já descontando a inflação. Foi o maior desde 2002.
Houve maior disseminação do uso de lenha ou carvão em todas as regiões, com destaque para o Norte (alta de 16%) e Sudeste (13%). Entre as capitais, a maior alta se deu em Curitiba, onde a fonte quase triplicou, saltando de 18 mil para 51 mil.
A auxiliar de limpeza Rose Pessoa, 59, foi um dos curitibanos que deixou o gás de lado. Há cerca de dois anos, a moradora do bairro de Sítio Cercado, na zona sul da cidade, parou de trabalhar por problemas de saúde. Cortar o botijão de gás, que custava R$ 65, foi uma decisão natural. “Achei que estava muito caro”, diz. Desde então, recolhe pedaços de madeira da construção civil para cozinhar.
A pesquisa detectou também que, com a crise, um número maior de brasileiros passaram em 2017 a viver em imóveis cedidos por terceiros. Segundo o IBGE, 6,07 milhões de domicílios estavam cedidos a outras pessoas no país, 7% a mais do que em 2016.
Essa categoria inclui imóveis emprestados de parentes e amigos ou cedidos por empregadores, como os imóveis funcionais para servidores.
No ano, houve queda de 4,5% no total de domicílios onde o morador é proprietário e as prestações não foram quitadas, em uma indicação de que o brasileiro teve dificuldade para pagar as parcelas. Essas pessoas podem ter se mudado a imóveis cedidos ou alugado outros mais baratos.
A pesquisa mostra que o saneamento, um problema antigo, ainda tem deficiências. Cerca de um terço dos lares brasileiros não está conectado à rede de esgoto. Apesar de quase 98% dos domicílios receberem água tratada, 33% dos lares da região Norte ainda são abastecidos por poços. A coleta de lixo atende mais de 82% dos lares, mas 5,7 milhões ainda queimam resíduos.
Também há restrições de acesso a novos serviços. O número de residências com internet, por exemplo, cresceu 11,7% no ano, mas ainda assim quase de 30% dos 69,7 milhões de domicílios brasileiros não estão conectados.
Na questão tecnológica outro destaque é o uso da TV. Com queda nas vendas há três anos, os tablets foram ultrapassados pelas TVs como meio de acesso à internet nos domicílios. O microcomputador também perdeu espaço. Em 2017, 10,6% dos domicílios acessaram a internet pela TV, ante 10,5% no caso de tablets. Para o instituto, o aumento dos serviços de streaming, como o Netflix, pode ser uma hipótese para a alta.