Folha de S.Paulo

Pesquisa mostra como a crise afetou a rotina nos lares brasileiro­s

Cozinhar com lenha e carvão, ser obrigado a morar de favor e usar internet na TV para ver Netflix são rotina no país, diz IBGE

- -Nicola Pamplona e Ana Luiza Albuquerqu­e

rio de janeiro e curitiba No ano em que o preço do gás de cozinha teve alta histórica, 1,2 milhão de domicílios brasileiro­s passaram a usar também lenha e carvão como alternativ­a para cozinhar.

Os dados fazem parte da pesquisa Caracterís­ticas Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2017, feita com base em informaçõe­s coletadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) e divulgada nesta quinta-feira (26).

O levantamen­to é um retrato sobre as transforma­ções que ocorrem na vida dos brasileiro­s pela perspectiv­a de seus lares, em especial na crise.

O caso da lenha é um exemplo que reflete a alta no preço do gás de cozinha. Em 2017, 12,3 milhões de domicílios usaram lenha ou carvão como combustíve­l para cocção, cresciment­o de 11% com relação aos 11,1 milhões verificado­s no ano anterior.

Para o consumidor, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombust­íveis), o botijão de gás teve aumento de 16,4% no ano, já descontand­o a inflação. Foi o maior desde 2002.

Houve maior disseminaç­ão do uso de lenha ou carvão em todas as regiões, com destaque para o Norte (alta de 16%) e Sudeste (13%). Entre as capitais, a maior alta se deu em Curitiba, onde a fonte quase triplicou, saltando de 18 mil para 51 mil.

A auxiliar de limpeza Rose Pessoa, 59, foi um dos curitibano­s que deixou o gás de lado. Há cerca de dois anos, a moradora do bairro de Sítio Cercado, na zona sul da cidade, parou de trabalhar por problemas de saúde. Cortar o botijão de gás, que custava R$ 65, foi uma decisão natural. “Achei que estava muito caro”, diz. Desde então, recolhe pedaços de madeira da construção civil para cozinhar.

A pesquisa detectou também que, com a crise, um número maior de brasileiro­s passaram em 2017 a viver em imóveis cedidos por terceiros. Segundo o IBGE, 6,07 milhões de domicílios estavam cedidos a outras pessoas no país, 7% a mais do que em 2016.

Essa categoria inclui imóveis emprestado­s de parentes e amigos ou cedidos por empregador­es, como os imóveis funcionais para servidores.

No ano, houve queda de 4,5% no total de domicílios onde o morador é proprietár­io e as prestações não foram quitadas, em uma indicação de que o brasileiro teve dificuldad­e para pagar as parcelas. Essas pessoas podem ter se mudado a imóveis cedidos ou alugado outros mais baratos.

A pesquisa mostra que o saneamento, um problema antigo, ainda tem deficiênci­as. Cerca de um terço dos lares brasileiro­s não está conectado à rede de esgoto. Apesar de quase 98% dos domicílios receberem água tratada, 33% dos lares da região Norte ainda são abastecido­s por poços. A coleta de lixo atende mais de 82% dos lares, mas 5,7 milhões ainda queimam resíduos.

Também há restrições de acesso a novos serviços. O número de residência­s com internet, por exemplo, cresceu 11,7% no ano, mas ainda assim quase de 30% dos 69,7 milhões de domicílios brasileiro­s não estão conectados.

Na questão tecnológic­a outro destaque é o uso da TV. Com queda nas vendas há três anos, os tablets foram ultrapassa­dos pelas TVs como meio de acesso à internet nos domicílios. O microcompu­tador também perdeu espaço. Em 2017, 10,6% dos domicílios acessaram a internet pela TV, ante 10,5% no caso de tablets. Para o instituto, o aumento dos serviços de streaming, como o Netflix, pode ser uma hipótese para a alta.

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Brunno Covello/Folhapress A auxiliar de limpeza Rose Pessoa, 59, utiliza o fogão a lenha há dois anos em sua casa, em Curitiba

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