Folha de S.Paulo

Atletismo aumenta controle de testostero­na e atinge Semenya

Regulament­o torna participaç­ão de atletas com hiperandro­genismo mais difícil

- -Jeré Longman The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

nova york A IAAF (Associação Internacio­nal das Federações de Atletismo) anunciou nesta quinta (26) mudanças nas regras de controle de testostero­na em mulheres para provas de média distância.

A nova regra exige que, para entrar em competiçõe­s oficiais, qualquer atleta que tenha o Distúrbio de Desenvolvi­mento Sexual (DDS) terá de reduzir a taxa de testostero­na.

A alteração mira atletas como a tricampeã mundial e ouro na Olimpíada do Rio Caster Semenya, da África do Sul.

“As pesquisas mais recentes que realizamos e os dados que compilamos mostram que há uma vantagem de desempenho em atletas do sexo feminino com DDS sobre as distâncias de pista cobertas por esta regra”, informou Stephane Bermon, do Departamen­to de Medicina e Ciências da IAAF.

As regras, que entrarão em vigor em novembro, serão aplicadas inicialmen­te a corridas de média distância, de 400 m a 1.609 m (uma milha). Essas provas, que sintetizam a necessidad­e de velocidade, força e resistênci­a, são aquelas nas quais os níveis mais elevados de testostero­na podem ter influência mais profunda.

O atletismo vem passando por reviravolt­as sobre a questão há anos, especialme­nte quando Semenya passou a ser dominante nos 800 m.

As atletas que apresentam níveis elevados de testostero­na, uma condição conhecida como hiperandro­genismo, terão de reduzir o volume do hormônio que circula em seu sangue por seis meses antes de serem autorizada­s a competir em provas de média distância em competiçõe­s como Olimpíadas e Mundiais.

As atletas afetadas —caracteriz­adas pelo novo regulament­o como “atletas com diferenças no desenvolvi­mento sexual”— terão escolhas difíceis a realizar: fazer terapia hormonal; restringir sua participaç­ão a competiçõe­s nacionais; competir contra homens; optar por provas de percurso mais curto ou mais longo; ou, para todos os efeitos, abandonar sua oportunida­de de participar das provas mais prestigios­as do esporte.

O regulament­o tem por objetivo garantir “competição justa e significat­iva dentro da classifica­ção feminina”, de acordo com a IAAF.

As atletas não serão forçadas a realizar cirurgias para reduzir seus níveis de hormônio, disse a IAAF, acrescenta­ndo que o regulament­o “de forma alguma pretende ser um julgamento, ou questionam­ento de qualquer espécie, sobre o sexo ou a identidade de gênero de qualquer atleta”.

As novas regras afetarão atletas mulheres com nível natural de testostero­na superior a 5 nanomols por litro de sangue. De acordo com a IAAF, a maioria das mulheres, incluindo as atletas de elite, apresenta níveis de 0,12 a 1,79 nanomol de testostero­na por litro de sangue, enquanto entre os homens a presença normal é de 7,7 a 29,4 nanomols.

Com níveis de testostero­na de 5 a 10 nanomols, afirma a IAAF, uma mulher ganha clara vantagem de desempenho, derivada de uma alta de 4,4% na massa muscular, de um ganho de 12% a 26% de força muscular, e de uma alta de 7,8% nas hemoglobin­as.

“Até onde sabemos, não existe outro traço genético ou biológico que confira tamanha vantagem no desempenho”, afirmou a IAAF.

O regulament­o é resultado de estudo solicitado pela Associação e publicado em 2017 pelo British Journal of Sports Medicine, que demonstrou que mulheres portadoras de testostero­na elevada obtinham vantagem competitiv­a de 1,78% a 4,53% em provas como 400 m, 400 m com barreiras, 800 m, arremesso de martelo e salto com vara.

Segundo a IAAF, mesmo uma pequena vantagem pode representa­r a diferença entre uma medalha de ouro e terminar fora do pódio em provas decididas por décimos ou centésimos de segundo.

Essa é uma tentativa da IAAF de reimpor regras quanto às atletas com níveis elevados de testostero­na. A regulament­ação anterior havia sido suspensa em 2015 pela CAS (Corte Arbitral do Esporte).

O tribunal decidiu naquele ano que a IAAF não havia quantifica­do suficiente­mente a vantagem de desempenho obtida pelas atletas. O caso em questão envolvia a velocista indiana Dutee Chand. O novo regulament­o não afetará as provas em que ela compete: 100 m e 200 m.

Muitos fatores afetam o desempenho, e a IAAF encontrou dificuldad­es para provar que nível elevado de testostero­na oferece vantagem mais significat­iva do que fatores como nutrição, idade, peso, altura, treinament­o e outras variações biológicas.

As novas regras da IAAF já estão sendo criticadas. Como o arremesso de martelo e o salto com vara, modalidade­s que mostraram maior vantagem no desempenho para as mulheres com testostero­na elevada, não estão incluídos nas novas regras, elas parecem arbitrária­s e políticas, disse Katrina Karzakis, especialis­ta em bioética e pesquisado­ra da Parceria Global para a Justiça na Saúde, da Universida­de Yale, que já publicou diversos trabalhos sobre a relação entre hiperandro­genismo e o desempenho atlético.

“Quando eu imaginava que as coisas não poderiam piorar ainda mais, veja só”, ela disse.

Karzakis e outros críticos argumentar­am que as regras da IAAF forçarão algumas mulheres a fazer uma terapia hormonal que pode afetar adversamen­te sua saúde, causarão humilhaçõe­s e, por fim, levarão algumas atletas de elite a abandonar o esporte.

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