Folha de S.Paulo

Documentár­io sobre Osho, ‘Wild Wild Country’ é parábola sobre fanatismo

- Luciana Coelho coelho.l@uol.com.br Wild Wild Country, com seis episódios de 1h, está disponível na Netflix

Nada de positivo pode brotar do fanatismo, seja ele do tipo que for, o que torna salutar um mergulho nos seis episódios de “Wild Wild Country”.

A série documental da Netflix sobre o guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh (que entrou para a história e a lista de best-sellers espiritual­istas como Osho) e seu séquito cai perfeitame­nte em nossos tempos de messianism­o aflorado e crença em versões personalis­tas do mundo e dos fatos.

Para quem teve pesadelos após a maravilhos­a “Handmaid’s Tale”, cuja segunda temporada acaba de estrear nos EUA e será tema desta coluna em breve, “Wild Wild Country” mostra que a realidade pode se tornar muito mais funesta que a imaginação quando turbinada por delírios coletivos.

Os irmãos Chapman e Maclain Way redescobre­m —em imagens da época e entrevista­s fascinante­s com seguidores e perseguido­res— a história de Rajneesh, líder espiritual que se crê perseguido em seu país natal e decide, em 1981, transplant­ar sua comunidade para o Oregon, nos Estados Unidos.

Crentes de diversos países se aglutinam no que antes era um vilarejo conservado­r de 40 habitantes e que rapidament­e se torna uma cidade com seu próprio sistema bancário, religião, código ético, diretrizes de vestuário e ambições políticas.

Espertos, os irmãos Way não usam a série para questionar crenças e valores de um culto específico, ainda que sejam hábeis em ilustrar seus princípios. Preferem, em vez disso, se debruçar sobre o efeito que o fanatismo tem nas pessoas e na espécie de laços e poderes que ele forja.

O que nasce com o mais nobre dos intuitos, ao menos declarado, logo se tornará terreno pródigo para crimes financeiro­s, manipulaçã­o política e psicológic­a, disputa de poder, bioterrori­smo e tentativas de assassinat­o.

Acompanhar essa trajetória pela lente sóbria dos Way é aflitivo e premonitór­io.

Imaginar como uma comunidade tão heterodoxa floresceu nos anos 1970 e 80 e por que essa história ainda era pouco conhecida traz calafrios quando ficam nítidos os paralelos com nossas atuais “guerras culturais”, nome que os americanos dão para o confronto entre visões de mundo díspares, cada vez mais agudo.

Embora o guru esteja no centro da série, são aqueles tocados por ele e suas jornadas pessoais de descoberta­s e mudanças o que mais interessa em “Wild Wild Country” (algo como ‘rincão muito muito selvagem/maluco’).

Não é Rajneesh, o guru, o condutor dessa trama, e sim Ma Anand Sheela, sua discípula e, por muito tempo, braço direito, que rememora sua vida pregressa entre a amargura e a autoconfia­nça.

Excelente oradora, a mulher de 68 anos que hoje v administra clínicas psiquiátri­ca na Suíças tem voz doce, palavras precisas e frases dignas de um psicopata para a câmera.

Ao resgatar um personagem menos conhecido mas crucial na história, os Way constroem uma narrativa hipnótica sobre o laço ambíguo entre criador e criatura, poder e confiança.

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Divulgação Ma Anand Sheela, discípula do guru indiano Rajneesh, em cena de série sobre comunidade no interior dos EUA

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