Boa atuação de Annette Bening segura ‘Estrelas de Cinema não Morrem’
Americana interpreta a atriz decadente Gloria Grahme, diva das telas nos anos 1940 e 50 que se apaixona por jovem ator
Estrelas de Cinema não Morrem
Reino Unido, 2017. Direção: Paul McGuigan. Elenco: Annette Bening, Jamie Bell, Julie Walters. Em cartaz. -Thales de Menezes são paulo A atriz americana Annette Bening completa 60 anos numa fase em que experimenta uma volta às produções relevantes. Uma delas é “Estrelas de Cinema Não Morrem”, versão romanceada da vida madura de Gloria Grahme (1923-81), diva das telas nos anos 1940 e 50, que Benning representa com intensidade.
Na verdade, a atriz vive um retorno ao trabalho com regularidade, depois de quase duas décadas em que a vida pessoal comprometeu uma carreira com destino certo ao estrelato. Desde “Os Imorais” (1991), que deu a ela a primeira de quatro indicações ao Oscar, Bening chamou muita atenção. Até do galã/diretor/ produtor Warren Beatty.
Ela atuou em “Bugsy”, divertida incursão nostálgica de Beatty ao universo gângster, e os dois se casaram. Nos anos 1990, ela continuou a brilhar, em obras memoráveis como “Marte Ataca!” (1996), de Tim Burton, e belo “Beleza Americana” (1999), de Sam Mendes, que papou cinco prêmios no Oscar. Faltou o dela.
Na virada do século, ela cuidou dos filhos e da casa e até do próprio Beatty, que ficou debilitado por uma doença que a família tratou com total privacidade e até hoje é alvo de especulação da imprensa.
Depois de um ótimo filme em 2016, “Mulheres do Século 20”, encontrou um veículo certo para ganhar destaque. Baseado em livro autobiográfico de Peter Turner, o novo longa conta o romance do autor com Gloria Grahme no final dos anos 1970. Ele, um ator inglês iniciante. Ela, atriz decadente vivendo do carinho de antigos fãs.
Turney é (bem) interpretado por Jamie Bell, de “Billy Elliot” (2000). Vale dizer que a lembrança desse filme no currículo do ator deixa muito mais engraçada uma cena em que Turner dança com Gloria, logo que os dois se conhecem.
O enredo se passa em 1981, quando a atriz passa mal durante a temporada de uma peça e Turner é chamado para vê-la. Os dois estão separados há tempos, mas a doença dela obriga o ator a recebê-la na casa onde mora com os pais. E, como todos na plateia querem, a paixão será revivida.
Há um monte de qualidades no longa. Antes de mais nada, a atuação de Bening, que expõe uma mulher fragilizada, amargurada, e ainda atraente.
O tom da narrativa é de certa melancolia, e a edição funciona bem nos flashbacks sobre o casal. E os pais de Turner são pessoas simplesmente adoráveis, ganham o público.
O diretor escocês Paul McGuigan, da esquisita versão de Frankenstein de 2015, com Daniel Radcliffe, fez um filme enxuto, correto. Suficiente para deixar Annette Bening seduzir antigos e novos fãs.
Cidade do Futuro
Brasil, 2016. Direção: Cláudio Marques e Marília Hughes. Elenco: Milla Suzart, Gilmar Araújo e Igor Santos. Em cartaz. -Lúcia Monteiro são paulo Baseado no entrelaçamento construído com precisão entre passado e presente, história coletiva e dra- ma particular, documentário e ficção, “A Cidade do Futuro” narra os percalços de uma trinca de personagens que desafia as tradições familiares do interior da Bahia.
Premiado no festival argentino Bafici, o segundo longa da dupla Cláudio Marques e Marília Hughes (do festejado “Depois da Chuva”, de 2013) tem como foco a vida de Milla (Milla Suzart), Gilmar (Gilmar Araújo) e Igor (Igor Santos).
Os dois primeiros são jovens professores de uma escola, ela de teatro, ele de história. O último é vaqueiro e namora Gilmar às escondidas.
A trama tem lugar em Serra do Ramalho, município erguido na década de 1970 para abrigar os 73 mil deslocados pela construção da hidrelétrica de Sobradinho.
Em suas aulas, Milla e Gilmar trabalham com os alunos a memória do lugar, chamado pela propaganda oficial de “Cidade do Futuro”.
Vemos imagens de arquivo da população sendo desalojada às margens do rio São Francisco e ouvimos, no presente, depoimentos de deslocados, ainda críticos à política de indenizações do governo.
No filme, mais do que pano de fundo para o drama dos personagens, o passado da região é reapropriado e atualizado. Milla fica grávida de Gilmar; este pede Igor em casamento, propondo-lhe uma paternidade compartilhada que obviamente provoca reações violentas da comunidade.
Inspirada na trajetória real dos três atores, a trama contribui para uma visão do interior nordestino que combina tradições populares, tecnologia, revolução dos costumes.
A obra remete, nesse sentido, ao melhor do cinema de Karim Aïnouz (“O Céu de Suely”, 2006), lembrado também na maneira como hits românticos (e bregas) são inseridos —a canção “Jeito carinhoso”, da dupla sertaneja Jads e Jadson, rende dois bons momentos.
Na tensão criada entre documentário e ficção, lembrança dolorida da paisagem alterada pela barragem e embates atuais dos personagens, algumas referências são o cinema do chinês Jia Zhang-ke (“Still Life”, 2006) e do brasiliense Adirley Queirós (“A Cidade é uma Só?”, 2013).
“A Cidade do Futuro” dá prova da crença dos realizadores no poder do cinema, e é um sopro de esperança. Entre traumas de nossa história e vislumbres de abertura, o filme aponta um caminho de transformação. De fato não se trata de um processo indolor. Mas é bom que a possibilidade de um final feliz exista.