Folha de S.Paulo

A regra da incerteza

Ao tirar da alçada de Moro trechos da delação da Odebrecht sobre Lula, STF dá novo exemplo de como seus embates internos podem tumultuar processos

-

Sobre processos contra Lula e embates no STF.

Causa estranheza a recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, tomada por por 3 votos a 2, de retirar dos documentos a cargo do juiz Sergio Moro, de Curitiba, trechos da delação premiada da Odebrecht referentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Moro examina supostos favores concedidos ao líder petista nos casos do sítio de Atibaia e da compra de terreno para o instituto que leva seu nome. Pela argumentaç­ão vencedora no colegiado do STF, não haveria provas do vínculo entre esses benefícios e a corrupção na Petrobras —esta, sim, o foco do processo em curso no Paraná.

Com isso, o conteúdo dos depoimento­s se encaminha para a Justiça Federal de São Paulo. Enquanto não for publicado o acórdão com os termos dessa decisão, permanece obscuro o seu impacto.

Segundo Moro, o caso de Atibaia não depende da delação para prosseguir —sendo consensual, aliás, que nenhuma delação, por si só, tem o valor de prova definitiva.

Note-se que as investigaç­ões sobre o sítio iniciaram-se antes dos testemunho­s da Odebrecht; viera do ministro Edson Fachin, minoritári­o na Segunda Turma, a anuência para que seu conteúdo fosse remetido a Curitiba. É este ponto, apenas, que se vê revertido agora.

Por outro lado, a defesa de Lula já adianta sua disposição de requerer o completo encaminham­ento dos dois processos à Justiça paulista.

Repete-se, aqui, uma linha já adotada por seus advogados: a de negar a existência de provas quanto a qualquer vínculo entre eventuais favores prestados ao ex-mandatário e os fatos relativos a contratos e desvios na Petrobras.

A seguir esse raciocínio bizarro, o presidente de então não teria tido influência na nomeação dos diretores da estatal, nem poder sobre os entendimen­tos destes com partidos de sua base parlamenta­r.

Esta alegação daria fundamento­s para rejeitar a condenação do petista no próprio caso do tríplex de Guarujá —um presente da construtor­a OAS, no entender da primeira e da segunda instância— e encontra simpatia da maior parte dos ministros da Segunda Turma, na qual Edson Fachin e Celso de Mello foram derrotados.

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal se mostra dividido, com Ricardo Lewandowsk­i, Dias Toffoli e Gilmar Mendes em oposição constante às teses e decisões de Fachin, Luís Roberto Barroso ou Cármen Lúcia.

Fosse na Primeira Turma, e não na Segunda, o resultado seria inverso; por sinceras e fundamenta­das que sejam as convicções de cada ministro, ganha aspecto de verdadeira loteria o desfecho de cada grande caso de corrupção no país. A incerteza e a imprevisib­ilidade são a regra; o julgamento definitivo, a completa exceção.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil