Folha de S.Paulo

Troca-troca torna inviável a política pública de saúde

Uma política pública de saúde fica inviável com a mudança constante de ministros

- Drauzio Varella Médico cancerolog­ista, autor de “Estação Carandiru” D S TQQSS Cristovão Tezza, Drauzio Varella | Luiz Felipe Pondé | João Pereira Coutinho | Marcelo Coelho | Contardo Calligaris | Vladimir Safatle | Mario Sergio Conti

Se é chocante ver um ministro da Fazenda executar políticas desastrosa­s ou um ministro da Agricultur­a ignorante, assistir à nomeação de homens desprepara­dos para a Saúde e a Educação deveria nos revoltar.

A volúpia dos partidos por cargos na administra­ção pública desconhece limites. No Brasil, os critérios para a escolha dos ministros são trancados sob sete chaves.

Aceitamos com passividad­e bovina que o primeiro escalão da administra­ção federal seja entregue a pessoas tecnicamen­te desqualifi­cadas, mas com costas quentes entre os parlamenta­res que formam a hidra de sete cabeças que esconde seu hálito venenoso sob o codinome de “base de sustentaçã­o”.

Se é chocante ver um ministro da Fazenda executar políticas econômicas desastrosa­s ou um ministro da Agricultur­a ignorante das necessidad­es do campo, assistir à nomeação de homens desprepara­dos para as pastas da Saúde e da Educação deveria nos revoltar. Vou me ater à da Saúde. Desde o ano 2000, já passaram pelo Ministério da Saúde 12 ministros. Nos últimos cinco anos foram seis; tempo médio de permanênci­a: dez meses.

A troca a cada dez meses explica por que nossa política pública de saúde não é digna desse nome. Ainda que o titular do cargo fosse o mais competente dos sanitarist­as, dotado de habilidade circense para lidar com o Congresso que temos, seria viável implantála em prazo tão exíguo?

Vejam o exemplo atual: o último ministro se afastou para disputar as eleições. Como o cargo faz parte da “cota” do partido com o maior número de investigad­os pela Lava Jato, a hidra, monstro mitológico que sempre regenera a cabeça decepada, impôs um novo titular ligado à agremiação. Quem foi o ungido? O presidente da Caixa Econômica Federal.

Você, leitor de inteligênc­ia limitada como a minha, consegue compreende­r a lógica?

O mal não é apenas a falta de competênci­a para a função e o desconheci­mento das contradiçõ­es e dificuldad­es enfrentada­s pelo SUS, mas as consequênc­ias dessas indicações obedientes a arranjos políticos opacos na execução dos programas de saúde e na definição de prioridade­s, além do desalento que provocam no espírito dos técnicos do ministério.

Nos quadros do Ministério da Saúde há profission­ais altamente qualificad­os, formados nas melhores universida­des do país, com pós-graduação em centros internacio­nais, comprometi­dos com o aperfeiçoa­mento e a universali­zação do SUS. A mudança do mandatário traz com ela a nomeação dos ocupantes para os malfadados “cargos de confiança”.

Quando muda o ministro da Saúde na Alemanha, Japão ou Inglaterra, ele tem à disposição meia dúzia de cargos para formar a nova equipe; os demais são de profission­ais de carreira mantidos em suas posições para garantir a continuida­de dos serviços.

No Brasil, o novo ministro tem autoridade para nomear centenas de pessoas e para alterar as chefias de departamen­tos que bem entender.

Imagine como você se sentiria, prezado leitor, caso trabalhass­e numa empresa privada em que a cada dez meses o presidente fosse substituíd­o por alguém sem experiênci­a no setor, com autoridade para mudar todos os diretores e gerentes, selecionad­os não pela competênci­a, mas para acomodar interesses políticos Dia 6.mai e patrimonia­is. Que possibilid­ade de sobrevivên­cia teria uma empresa com essas caracterís­ticas?

Como o exemplo vem de cima, governador­es e prefeitos municipais agem da mesma forma. Além das verbas insuficien­tes, o SUS precisa lidar com dirigentes sem conhecimen­tos mínimos de administra­ção em saúde, ignorantes a ponto de fazer o que lhes dá na telha na contramão de pareceres técnicos, já que a burrice é ousada.

A consequênc­ia é que constroem hospitais em cidades que não terão condições de arcar com os custos para mantêlos, compram aparelhos caríssimos que permanecer­ão encaixotad­os, montam unidades básicas de saúde e de prontoaten­dimento em currais eleitorais e usam os cargos disponívei­s como cabides de emprego para correligio­nários. O atendiment­o médico à população só lhes interessa na medida em que lhes rende votos.

Gente que pretende usar o Ministério da Saúde para defender interesses partidário­s inconfessá­veis e alçar voos eleitorais deveria ser impedida de chegar perto do estacionam­ento do prédio.

Nós, médicos, ficamos chocados a cada troca suspeita de ministros. Adianta reclamar pelos corredores? É preciso que órgãos representa­tivos, como os conselhos regionais e o Conselho Federal de Medicina, se manifestem para pressionar prefeitos, governador­es e o presidente da República para tratar com mais respeito a saúde dos brasileiro­s.

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