Folha de S.Paulo

Sonhos azuis

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Até a primeira metade do século 20, hospícios eram lugares cheios e barulhento­s. Os loucos gritavam muito, tanto por causa das alucinaçõe­s que experiment­avam como pelos maus-tratos a que eram submetidos. Mas, ao longo da década de 50, os asilos silenciara­m.

O motivo foi a clorpromaz­ina, a primeira droga antipsicót­ica. Sintetizad­a por Paul Charpentie­r em 1950 a partir do azul de metileno, ela se mostrou efetiva em evitar os surtos psicóticos de boa parte dos esquizofrê­nicos. Gente que parecia perdida para o mundo de repente passou a conversar e interagir quase normalment­e. Era o início do movimento que depois levaria ao progressiv­o esvaziamen­to dos hospícios.

A história da clorpromaz­ina (comerciali­zada como Amplictil no Brasil) e de outras drogas psiquiátri­cas, incluindo lítio e várias gerações de antidepres­sivos, é contada de forma apaixonant­e por Lauren Slater em “Blue Dreams” (sonhos azuis).

Slater parte de um ponto de vista privilegia­do. Além de escritora, ela é psicóloga e paciente psiquiátri­ca. Sofre de transtorno bipolar e diz estar convicta de que foi apenas o uso maciço de combinaçõe­s variadas de antidepres­sivos e lítio que a manteve por mais de três décadas longe das internaçõe­s de que precisou na juventude.

Ela é uma fã desses fármacos, mas nem por isso deixa de exercer o espírito crítico em relação aos laboratóri­os. O fato de as drogas funcionare­m não significa que seja pelas razões alegadas pela indústria. O modelo da depressão como um desbalanço químico marcado por baixos níveis de serotonina, por exemplo, é mais furado do que um queijo suíço.

Slater mostra o que de bom essas drogas fizeram pelos pacientes, mas sem esconder os graves efeitos secundário­s que elas provocam e o tamanho da nossa ignorância em relação a seus mecanismos de ação. Como bônus, ela fala também de fármacos ainda ilegais, mas bastante promissore­s para uso psiquiátri­co, como o MDMA e o LSD.

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