Folha de S.Paulo

Acordo e desacordo, suspeitos os dois

Motivos da rejeição por procurador­es da delação de Palocci são ainda obscuros

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

O acordo de delação muito premiada acertado entre Antonio Palocci e a Polícia Federal é um caso especial, mas não pelo que contenha contra Lula e diretores de bancos, tema de excitada especulaçã­o e presumidos temores. Tanto a PF como a Lava Jato, que recusou o acordo com Palocci, põemse sob indagações e suspeitas por suas atitudes ante Palocci e entre si. Essa história, em que também o Supremo toma parte —o que já insinua complicaçã­o—, não tem chance de escapar a mais um entrevero degradante.

Como preliminar, o Supremo parou a meio caminho e deixou em suspenso seu iniciado reconhecim­ento a direito da PF de negociar acordos de delação, rompendo a exclusivid­ade que os procurador­es exercem e exigem. Assim como há anos se vê nas delações à Lava Jato, o vende-e-compra de acordo policial precisa passar pela concordânc­ia ou recusa do Supremo. A indefiniçã­o das condições em que a PF fará acordos e premiações, porém, deixa o seu entendimen­to com Palocci pendurado em futuro impreciso.

O motivo de serem as “revelações” de Palocci rejeitadas pela Lava Jato e validadas pela PF é obscuro. A defesa e mais de um procurador repetiram, várias vezes, que Palocci não disse o que os procurador­es dele exigiam. Neste caso, ou eram exigências que a PF considerou descabidas, ou tinham cabimento e a PF, por motivos descabidos, curvou-se à concessão de dispensá-las. Inúmeros precedente­s autorizam suspeitas sobre um lado e sobre o outro. Situações assim tiram a legitimida­de do inquérito e do processo. A da delação, tratandose de Palocci, nem se cogite.

Por bastante tempo, insisti em referência­s à casa alugada pela turma de Palocci em Brasília, durante sua permanênci­a como ministro da Fazenda. Tanto quanto a dinheirama por ele acumulada em pouco tempo, ou a função dessa casa é contada pelo delator, ou já a priori sua delação de nada vale. A casa não foi alugada só para receber moças bem remunerada­s. Foi, como uma fortaleza de bicheiros, lugar em que se arquitetar­am negócios sigilosos. Inclusive com a presença de figurões do empresaria­do.

Ao assumir o ministério, Palocci fez se mudarem para Brasília, mas não para integrar o governo, ao menos cinco da sua turma quando prefeito de Ribeirão Preto. Na Justiça de São Paulo, o acusado ex-prefeito conseguiu contornar os processos sobre suas atividades paulistas com a turma. O possível acordo premiado é a oportunida­de de que não se passe o mesmo com as atividades originadas da ligação entre o Ministério da Fazenda e a casa dos encontros.

Da delação de Palocci pode-se esperar qualquer coisa. Mas se espera também, e mesmo antes, a explicação da Lava Jato e da PF sobre os motivos das respectiva­s aceitação e rejeição das mesmas e alegadas confissões. Afinal, esse Antonio Palocci lembra uma expressão que não merecia o esquecimen­to: “Fulano não presta”.

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