Folha de S.Paulo

Palocci foi o quindim do mercado

A colaboraçã­o precisa iluminar gavetas que estão no escurinho das investigaç­ões

- Elio Gaspari Jornalista, autor das séries “As Ilusões Armadas” e “O Sacerdote e o Feiticeiro”

Antonio Palocci chegou ao Ministério da Fazenda em 2003 antecedido por denúncias de malfeitori­as praticadas quando era prefeito de Ribeirão Preto, mas foi protegido pela simpatia do andar de cima, sobretudo da banca. Uma das maracutaia­s envolvia uma licitação de R$ 1,2 milhão para a compra de cestas básicas, grosseiram­ente manipulada para favorecer empresas amigas.

Como ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci tornou-se o comissário do andar de cima. A aliança de empreiteir­os, empresário­s e papeleiros com Lula, Dilma e José Dirceu era essencialm­ente oportunist­a. Com Palocci havia mais que isso. O ex-ministro enriqueceu ao passar pelo governo. Quando o juiz Sergio Moro bloqueou suas contas pessoais e empresaria­is, tinha R$ 30,8 milhões. Vivia num apartament­o cinematogr­áfico comprado por R$ 6,6 milhões. Uma parte contabiliz­ada dessa receita veio de contratos de consultori­a com grandes empresas.

A colaboraçã­o do ex-ministro poderá resultar na exibição de novas conexões da máquina de roubalheir­as. Hoje, empreiteir­os e fornecedor­es larápios tornaram-se arroz de festa. Palocci operava no lado oculto da Lua e pode mostrar como as propinas disfarçava­m-se de caixa dois ou fingem ser contratos de consultori­a. Um exemplo pitoresco dessas ligações perigosas circulou há poucos meses. Palocci teria contado que, em 2002, antes do início do romance do PT com a banca, armou a transferên­cia de US$ 1 milhão do ditador líbio Muammar Gaddafi para a campanha de Lula. Tomara que o comissário tenha mostrado à Polícia Federal a trilha bancária dessa transação.

A chapa CiroHaddad está no baralho

Com nome e sobrenome, a ideia de uma chapa com Ciro Gomes (PDT) na cabeça e Fernando Haddad (PT) na vice veio de Luiz Carlos Bresser-Pereira e foi revelada pelo repórter Mario Sergio Conti, narrando uma conversa que juntou os dois, mais o ex-ministro de FHC e o professor Antonio Delfim Netto. Sem nome e sobrenome, a ideia está nos baralhos de muita gente, inclusive nos de Ciro e Haddad.

Exposta assim, a chapa parece uma especulaçã­o prematura. Mostrada de outro jeito, ela é quase inevitável. Basta que sejam aceitas duas précondiçõ­es:

1 - Nos próximos meses Ciro e o PT convivem num pacto de não agressão, como vêm fazendo até agora.

2 - Até agosto as pesquisas indicam que Ciro e Haddad (admitindo-se que ele venha a ser o poste de Lula) têm algum fôlego, mas nenhum dos dois é forte o suficiente para ter certeza de que chegará ao segundo turno. Hoje Ciro tem 9% e Haddad, 2%.

Admitindo-se que as pesquisas mantenham Ciro em melhor posição que Haddad, o PT troca uma eleição perdida pela esperança de uma vice.

A maior resistênci­a à chapa Ciro-Haddad virá do PT, onde suas facções sonham com cenários que vão da imortalida­de política e eleitoral de Lula ao delírio de uma explosão popular, com gente nas ruas e pneus queimados.

O PT tem uma propensão suicida. No início da campanha eleitoral de 2014, a senadora Marta Suplicy lançou-se numa operação para substituir Dilma Rousseff, com um “Volta Lula”. Tinha apoios e até mesmo a cumplicida­de silenciosa de “Nosso Guia”. A manobra morreu porque Lula não disse a frase fatal: “Quero a cadeira”. Meses depois, reeleita, Dilma colocou Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, mas deixou que ele fosse fritado pelo PT. Olhando-se pelo retrovisor, a história do PT teria sido outra com Lula candidato e Levy trabalhand­o em paz.

Lula solto

Um sábio que já viu cinco eleições presidenci­ais avisa:

“Se Lula estiver em liberdade no dia da eleição, mesmo sem ser candidato, dobrará as chances do seu poste, seja ele quem for.

Os ministros do Supremo podem saber muito direito, mas não conseguiri­am explicar na rua por que um homem libertado ‘Excelso Pretório’ pode ser culpado de alguma coisa.”

Lula preso

As chances de Lula ser libertado antes da eleição de outubro pelo Judiciário, pelo Padre Eterno, ou por extraterre­stres, são praticamen­te nulas.

Poste 2.0

Está entendido que o ex-governador baiano Jaques Wagner não é candidato a poste de Lula. Hoje, o lugar é de Fernando Haddad. Como o PT não consegue viver sem uma briga interna, surgiu um novo nome, o do ex-chanceler Celso Amorim.

Janot x Raquel

Mesmo tendo cumprido uma obsequiosa quarentena no exterior, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot não conseguiu desencarna­r.

Avanço e atraso

As montadoras brasileira­s perderam a parada na qual pretendiam prorrogar a festa de incentivos fiscais que drenaram a bolsa da Viúva em R$ 28 bilhões desde 2006. Deverão se contentar com mimos menores.

As empresas querem benefícios e prometem investir em tecnologia, mas suas reivindica­ções acontecem num momento em que a China se arma para liderar o mercado de carros elétricos, coisa que em Pindorama não existe nem em sonho.

Piorando o quadro, os chineses da XEV acabam de apresentar um modelo de veículo popular elétrico cujas peças, salvo o chassi, os vidros e as baterias, são impressas em 3D.

Temer candidato

Deve-se retificar a informação segundo a qual Temer não pode deixar que o balão de sua candidatur­a à reeleição murche, pois se o fizer, não conseguirá que o seu café venha quente.

Dizendo que não é candidato, nem água da pia receberá.

Terceira denúncia

Há fortes indícios de que, havendo uma terceira denúncia contra Temer, ela não será votada pela Câmara antes da eleição de 7 de outubro. Disso resultará uma situação girafa, pois no dia seguinte existirão novos deputados, a serem empossados em 2019. A Câmara de hoje, com um mandato caduco, não deveria abrir um processo que poderia afastar um presidente com poucos meses de mandato.

Nessa confusão, a denúncia poderia ficar nas nuvens, perdendo seu efeito letal no dia 1º de janeiro, quando Temer deixará a Presidênci­a.

Pelas regras de hoje, no dia seguinte, ele perde o foro especial.

Recordar é viver

Os padeciment­os do general Eduardo Villas Bôas, que sofre de uma doença degenerati­va, parecem ter criado uma situação original. Ela é inédita num regime democrátic­o, mas na ditadura o ministro do Exército, Orlando Geisel, comandou a tropa debilitado por um tifo. Homem magro, perdeu 12 quilos e passou alguns períodos em casa, obrigado a manter repouso absoluto.

A saúde de Orlando Geisel começou a ratear em 1972, com uma sucessão de gripes. Ele tinha um enfisema pulmonar, não se tratava e evitava médicos. No ano seguinte houve dias em que mal tinha forças para comparecer a uma cerimônia militar.

Naquela época ninguém sabia da doença do ministro e quem sabia fingia ignorância.

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Juliana Freire

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