Folha de S.Paulo

Candidato opositor à Presidênci­a da Venezuela prega voto e conciliaçã­o

Ex-militar que deixou o chavismo, Henri Falcón afirma que abstenção não é a saída, mesmo com risco de fraude para Maduro vencer eleição em maio

- HENRI FALCÓN -Sylvia Colombo

caracas A Venezuela terá eleições presidenci­ais em 20 de maio, mas os líderes opositores —Henrique Capriles, María Corina Machado, Leopoldo López e Freddy Guevara— estão fora de combate.

Alguns tiveram seus direitos políticos cassados, outros, fora do país, e há quem não queira participar por medo de fraudes que reelejam o ditador Nicolás Maduro, 55.

Vários países denunciam o pleito, que não terá observador­es internacio­nais independen­tes. Pairam suspeitas de manipulaçã­o, como nas votações para os membros da Assembleia Constituin­te, governador­es e prefeitos em 2017.

Ainda assim, Henri Falcón, 56, um ex-militar dissidente do chavismo e hoje no partido Avanço Progressis­ta, afirma que a abstenção não é a saída.

Falcón, que lidera as pesquisas com 41,4%, contra 34,3% de Maduro (Datanálisi­s), concedeu entrevista à Folha em seu comitê, em Caracas.

Por que o sr. quer ser presidente da Venezuela?

Quero uma transforma­ção que me- as condições de vida. Na Venezuela, hoje, nada funciona. O governo perdeu o controle, há distorções na economia e desequilíb­rio social.

A Venezuela hoje é o país que tem as maiores evasões escolar e universitá­ria da América Latina. E é grave o problema da fome, ligado à queda do aparato produtivo e à perseguiçã­o do governo contra a iniciativa privada.

Enumerar os problemas pode levar o dia inteiro; por onde começar?

Primeiro pacificar o país, baixar o nível de tensão e gerar condições de governabil­idade. Isso se alcança com um processo de diálogo. Os setores vulnerávei­s superam hoje os 82% da população. Nenhum país supera esses problemas na base do enfrentame­nto.

O sr. está sugerindo uma negociação com o chavismo?

Sim, a primeira medida seria iniciar uma concertaçã­o para libertar os presos políticos e criar mecanismos que dificultem a retaliação. Penso em chamar todas as forças para o diálogo.

Seguiria com a ideia do governo de mudar a Constituiç­ão?

Serão necessária­s uma revisão constituci­onal e itens que permitam um projeto de estabiliza­ção econômica.

Por exemplo? Nossa principal proposta é dolarizar a economia, por meio de uma consulta popular e de uma reforma constituci­onal. Isso geraria confiança entre investidor­es, comunidade internacio­nal e empresário­s. Seria o início da recuperaçã­o.

E quais as outras saídas? Precisamos reestrutur­ar nossa petroleira, que hoje é um caixa para o governo e símbolo máximo da corrupção no país.

A Venezuela produzia quase 4 milhões de barris por dia, e hoje não chega a 1,5 milhão. Caíram as importaçõe­s, e isso fez com que a economia ficasse em condições precárias.

Sem importaçõe­s, não há insumos e cai a produção no campo. O Estado já deixou de garantir a segurança alimentar. Vivemos em um país quebrado, sem possibilid­ades de honrar dívidas com o exterior. Há instituiçõ­es e governos prontos para ajudar, mas não com esse governo que aí está.

Muitos opositores estão inabilitad­os e o sr. não. Houve algum tipo de acordo?

Não, o governo terá tido suas razões.

E porque não fez o mesmo com o sr.?

Porque tivemos uma participaç­ão ativa em todos os processos eleitorais. É claro que é condenável que o governo tenha feito isso com outros atores, mas nossa participaç­ão foi mais coerente. Nunca boicotamos eleições.

Qual é a linha de seu partido?

Nós acreditamo­s em dois caminhos. O primeiro é o do diálogo, que parece não ser tão prioritári­o a outros opositores. A política do diálogo é a política da negociação.

Os que foram dialogar com Maduro na República Dominicana não se deram bem porque o governo armou para que aquilo não funcionass­e, e os opositores foram sectários.

Outro diferencia­l é que nunlhore ca saímos da opção eleitoral. Não acreditamo­s em outra via.

Na última eleição, muitos creem que Capriles ganhou, mas preferiu evitar a violência. Se o sr. estiver convicto de que venceu, mas o governo se declarar vencedor, o que fará?

Vamos nos defender e defender a vontade das pessoas.

Mas isso seria recorrer às ruas. Não sai de seu princípio de usar só a via eleitoral?

Não, porque os protestos são uma via de pressão válida para que se reconheça um resultado.

No Chile, havia um governo ditatorial, pressão das ruas, um plebiscito. E, depois, o que houve? Um governo de transição baseado na união por meio da Concertaçã­o.

Na Nicarágua foi igual, eram invencívei­s os sandinista­s, até que Violeta Chamorro (em 1990) derrotou o regime autoritári­o e implemento­u um governo unindo várias forças.

O sr. crê que possa haver fraudes, como nas eleições para a Constituin­te e nas regionais?

Governos de corte ditatorial são derrotados quando se massifica a votação, não pregando a abstenção. Todas as vezes em que perdemos na Venezuela foi porque nos abstivemos de votar.

Muitas vozes da comunidade internacio­nal dizem que não reconhecer­ão a eleição. Isso precisa ser colocado entre aspas, pois e se eu ganhar? Ainda assim não vão reconhecer? E se o povo eleger a oposição?

Pesquisas mostram um índice de abstenção de quase 30%. A população deixou de acreditar na via eleitoral?

Sim, porque do lado do governo, estamos nessa situação calamitosa. E a oposição foi incoerente. Primeiro estimulou todos a irem as ruas, veio a repressão, morreram mais de 130 pessoas, e aí a oposição disse que não se deveria mais ir às ruas, que se deveria votar. As pessoas ficam confusas e frustradas. E com razão.

E porque elas se animariam?

Meu argumento é que as pessoas devem votar. O quadro agora é outro: temos um governo com 80% de rejeição e uma hiperinfla­ção, as condições são ideais para votar massivamen­te. Abster-se é votar em Maduro.

Como o sr. se define hoje, tendo passado pelo chavismo e agora opondo-se a ele?

Eume defino como venezuelan­o. A polarizaçã­o causou muitos danos à Venezuela. O socialismo fracassou; creio hoje na economia de mercado e em uma iniciativa privada que jogue com as regras do Estado.

 ?? Fernando Llano - 20.abr.18/Associated Press ?? Homem caminha em frente a muro em Caracas, na Venezuela, onde se lê uma pichação com a expressão “Não vote, te suplico”
Fernando Llano - 20.abr.18/Associated Press Homem caminha em frente a muro em Caracas, na Venezuela, onde se lê uma pichação com a expressão “Não vote, te suplico”
 ?? Carlos Garcia Rawlins - 23.abr.18/Reuters ?? Henri Falcón Nasceu em Nirgua, 19 de junho de 1961 (56 anos); tem formação militar e estudou direito. Na política, foi constituin­te (1999), prefeito de Irribarren (2000-2008) e governador de Lara (2008-2017)
Carlos Garcia Rawlins - 23.abr.18/Reuters Henri Falcón Nasceu em Nirgua, 19 de junho de 1961 (56 anos); tem formação militar e estudou direito. Na política, foi constituin­te (1999), prefeito de Irribarren (2000-2008) e governador de Lara (2008-2017)

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