Folha de S.Paulo

Venezuela e ameaça de Trump ao Irã desestabil­izam preços do petróleo

Iminente abandono de acordo nuclear iraniano pelos EUA e queda na produção venezuelan­a aumentam preço de commodity

- -Carolina Vila-Nova

são paulo A ameaça do presidente dos EUA, Donald Trump, de rasgar o acordo nuclear com o Irã tem deixado governos e investidor­es em alerta pelos possíveis efeitos no mercado do petróleo e de olho nos eventuais ganhadores e perdedores na variação dos preços da commodity.

Mas é provavelme­nte a Venezuela a responsáve­l pelos maiores riscos geopolític­os, com uma queda drástica e constante da produção devido à crise que atravessa o país.

Apenas a declaração de Trump de que o acordo “é uma insanidade”, na última terça-feira (24), levou os preços do barril a US$ 75,47, o nível mais alto desde 2014. Espera-se que em 12 de maio Washington volte a aplicar sanções sobre as exportaçõe­s iranianas e abandone o chamado Plano de Ação Conjunto Global acordado entre Irã, EUA,

Rússia, Reino Unido, França, China e Alemanha em 2015.

Segundo a Opep, o cartel dos países exportador­es, o Irã detém 10,5% das reservas comprovada­s de petróleo, a quarta maior do mundo, com 154,58 mbd (milhões de barris por dia), atrás de Venezuela (297,6 mbd), Arábia Saudita (267,91 mbd) e Canadá (173,10 mbd).

Com o fim das sanções, a produção iraniana cresceu para 3,8 mbd —um milhão a mais do que em 2015. Um barril equivale a 159 litros; cada 7,5 barris são 1 tonelada.

Em 2012, a imposição de sanções contra a indústria petrolífer­a do Irã derrubou as exportaçõe­s em cerca de 1 mbd.

Segundo relatório do Centro de Política de Energia Global da Universida­de Columbia (EUA), novas sanções podem derrubar entre 400 mil e 500 mil de barris/dia de petróleo iraniano dentro de um ano.

Mas, se a União Europeia

não se somar à rodada de sanções, não haverá uma redução drástica das exportaçõe­s de petróleo iranianas, avalia relatório do Instituto de Oxford para Estudos da Energia.

Pode-se pensar que um aumento no preço beneficiar­ia países exportador­es como a Venezuela, cuja economia dependente da renda do petróleo sofreu quando os preços giravam em torno dos US$ 30, em 2016. Entretanto o efeito não é tão simples.

“Caso Trump o faça [abandone o acordo], a notícia em si sustentari­a moderadame­nte os preços do petróleo, mas a probabilid­ade de isenções e/ou de um período de ajustes de 180 dias para os importador­es de petróleo adiaria qualquer impacto material nos saldos físicos até o início de 2019”, afirmou à Folha Paul Sheldon, diretor associado de risco político da S&P Global Platts Analytics.

Além disso, o ditador Nicolás

Maduro deve ser reeleito em 20 de maio, o que deve desencadea­r sanções americanas contra a indústria venezuelan­a e acelerar o declínio na produção na estatal PDVSA.

“Dado o aperto do mercado, qualquer ruptura na oferta geopolític­a teria impacto desproporc­ional comparado aos anos recentes, quando o mercado estava inundado de petróleo”, escreveu Helima Croft, diretora de estratégia global de commoditie­s da RBC Capital Markets.

“O perigo claro e presente a ser observado é a Venezuela, que provavelme­nte passou da fase de risco, já que a produção está em queda livre.”

Para alguns analistas, a Venezuela é uma razão pela qual o preço do barril subiu 30% nos últimos nove meses, após drásticas reduções na produção como resultado de sua crise política e econômica.

“A produção de petróleo no país caiu de mais de 2,2 mdb,

dois anos atrás, para 1,54 mbd em fevereiro, com relatos confiáveis de uma redução ainda maior em março. Nos níveis atuais, a produção é menos que a metade do que era quando Hugo Chávez se tornou presidente em 1999”, analisou Nick Butler, do King’s College de Londres, em artigo no jornal Financial Times.

“Em 2003, Hugo Chávez substituiu a administra­ção profission­al da PDVSA por indicações políticas. A falta de expertise e de investimen­tos em novos campos produziu um declínio gradual em produção. No ano passado, isso foi acelerado com a deterioraç­ão da economia.”

Para Butler, esse cenário só tem chances de melhora com a saída de Maduro.

“Se Maduro cair, um novo regime pode ter incentivos para restaurar a produção. Um aumento na produção para 3 mbd ou mais é factível, mas levaria tempo. No curto prazo,

a condição dos campos existente sé crítica, mas empreiteir­as internacio­nais poderiam fazer a produção aumentarpa­ra acima de2mbd um tanto quanto rapidament­e, o que tiraria apressão dos preços atuais ”, afirma.

“O mercado realmente demonstra que inseguranç­a atual não pode continuar. Por isso o preço está alto e subindo.”

O fato de a Arábia Saudita pressionar os EUA, seu aliado, pelo fim do acordo nuclear do Irã, seu rival no Oriente Médio e com quem tem lutado “guerras por procuração” em lugares como o Iêmen, é outro fator de instabilid­ade no mercado com efeitos geopolític­os complexos.

“O maior risco para os mercados de petróleo continua sendo uma interrupçã­o inesperada do fornecimen­to no Oriente Médio ou no norte da África”, afirma Sheldon.

“O fortalecim­ento da presença militar do Irã na Síria e em outros lugares torna uma confrontaç­ão direta com Israel e Arábia Saudita um cenário realista, elevando o risco de os efeitos extrapolar­em para a produção de petróleo ou para as áreas de trânsito”, diz.

ParaShel don, outra preocupaçã­oéa Líbia, que pode reverter ganhos importante­s de produção alcançados em 2017 coma exacerbaçã­o dos conflitos internos.

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Essam Al-Sudani - 23.abr.2018/Reuters Trabalhado­r verifica poço de petróleo próximo à fronteira entre o Irã e o Iraque, em Basra

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