Folha de S.Paulo

O câmbio andou

Provavelme­nte a alta do dólar desde o início do ano veio para ficar

- Samuel Pessôa Físico, doutor em economia, pesquisado­r do Ibre-FGV e sócio da consultori­a Reliance D S T Q Q S S Samuel Pessôa | Marcia Dessen | Nizan Guanaes; Benjamin Steinbruch | Alexandre Schwartsma­n | Laura Carvalho | Nelson Barbosa; Pedro Luiz Passos

Desde 26 de janeiro o real desvaloriz­ou-se, relativame­nte, à moeda americana, em 10%. Passou de R$ 3,15 por dólar para R$ 3,47. O câmbio andou pouco mais de R$ 0,3.

Sempre que olhamos andadas do câmbio, nos perguntamo­s: quais fatores motivaram sua variação? Fatores domésticos ou fatores externos? Será que o calendário eleitoral e todas as incertezas associadas ao processo eleitoral passaram a entrar no radar dos investidor­es?

Meu colega do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) Lívio Ribeiro produziu estudo que separa os movimentos do câmbio em seus componente­s externos e domésticos. Rigorosame­nte os componente­s domésticos constituem o resíduo da parcela dos movimentos do câmbio que não são descritos pelos componente­s externos.

O resultado que Lívio obteve foi que aproximada­mente 45% da desvaloriz­ação do câmbio, ou R$ 0,135, resultou de fatores externos. Eles foram: a valorizaçã­o da moeda americana ante as divisas fortes, o aumento do custo internacio­nal de capital, medido pela elevação da remuneraçã­o do título do Tesouro americano de dez anos, e o impacto dessas variáveis sobre o risco Brasil.

Do movimento de alta, 5%, ou R$ 0,015, deveram-se a fatores domésticos que pressionar­am o risco Brasil —as incertezas eleitorais entram aí—, e os demais 50%, ou R$ 0,15, provêm da redução do diferencia­l de juro entre o Brasil, fruto da queda da Selic, e o juro americano de um ano. Somando as três parcelas, temos a desvaloriz­ação total de R$ 0,3.

Toda essa análise não consegue tratar de causalidad­e. É possível somente estabelece­r correlaçõe­s entre as variáveis.

Essa é a maior limitação da macroecono­mia. Em geral os modelos macroeconô­micos consideram correlaçõe­s entre as variáveis, mas não conseguem estabelece­r a causalidad­e entre elas. Esta segue da hipótese ou da visão de mundo do pesquisado­r.

A hipótese no estudo de Lívio é que o real não afeta diretament­e o retorno do título do Tesouro americano de dez anos e a cotação do dólar ante as divisas das demais economias desenvolvi­das, mas é afetado por esses fatores.

Vale lembrar que desde o início do ano o custo de capital de longo prazo no mercado internacio­nal, medido pelo retorno dos títulos do Tesouro americano de dez anos, subiu de 2,65% para 3% e que o diferencia­l de juros para um ano entre o Brasil e a economia americana reduziu-se em um ponto percentual (de 4,7% para 3,7%).

A conclusão é que provavelme­nte a valorizaçã­o do dólar desde o início do ano veio para ficar e está associada a fenômenos mais estruturai­s. Evidenteme­nte, se a inflação brasileira pressionar e, em razão da ação do Banco Central, o juro real por aqui subir, o diferencia­l de juros da economia brasileira com relação à economia americana elevar-se-á. No entanto, não parece haver espaço para subidas de juros no curto prazo. Ainda temos visto surpresas desinflaci­onárias no Brasil.

Juntando tudo, a impressão que se tem é que muito lentamente a economia internacio­nal, em particular a economia americana, se normaliza.

Rodando há mais de um ano a pleno emprego e a uma velocidade um ponto percentual acima da taxa de expansão potencial, os Estados Unidos crescem 2,5%, ante cresciment­o potencial de 1,5%, aproximada­mente. Assim, o cenário de que o custo real internacio­nal de capital será eternament­e negativo —hipótese conhecida por estagnação secular— vai ficando para trás.

O tempo que temos para arrumar nossas inconsistê­ncias fiscais se reduz.

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